terça-feira, 18 de agosto de 2015

A DESMISTIFICAÇÃO DO MITO MODERNO DA NATUREZA INTOCADA



A DESMISTIFICAÇÃO DO MITO MODERNO DA NATUREZA INTOCADA
                                                                                                                   Josenildo Santos de Souza[1]

As pesquisas arqueológicas recentes, realizadas desde 2006 em parceria com o Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP), que estão sento desenvolvidas na região do Médio Solimões, que ocorrem tanto nas reservas Mamirauá e Amanã, quanto em áreas vizinhas, nos municípios de Tefé e Alvarães, apontam indícios na região de um cenário bem distinto. Vestígios encontrados em diferentes áreas evidenciam e indicam uma história milenar de ocupação humana, datada de mais de 14 mil anos, com efeitos ambientais, sociais e econômicos.

Entre as décadas de 60 e 2000, houve um vertiginoso crescimento da conscientização dos problemas ambientais oriundos da aceleração do crescimento econômico no mundo globalizado, envolvendo a escassez dos recursos naturais, extinção das espécies da flora e da fauna, degradação ambiental e movimentos ambientalistas visando a implementação de remediar os males.

No aspecto ambiental gera o debate entre duas correntes teórico-prática: O Conservacionismo que pregava a administração do uso racional dos recursos naturais por meio do manejo sustentável deve ser usado para o benefício da sociedade e os indivíduos possam satisfazer suas necessidade e o preservacionismo a “reverência” da natureza no sentido da contemplação, apreciação estética e espiritual da vida selvagem, ou seja, é a corrente que defende a preservação intocável dos recursos naturais visando garantir a perenidade e integridade da área.

Carlos Diegues, em seu livro O mito moderno da natureza intocada, publicado em 1994, já defendia a tese que não existe uma natureza pristina, intocada, explicitando o conceito e a noção de natureza intocada e mito moderno. Para o autor a noção de mito naturalista, da natureza intocada, do mundo selvagem diz respeito a uma representação simbólica pela qual existiriam áreas naturais intocadas e intocáveis pelo homem, apresentando componentes num estado de natureza pristina “puro” até anterior ao aparecimento do homem. Esse mito supõe a incompatibilidade entre as ações de quaisquer grupos humanos e a conservação da natureza. O homem seria, desse modo, um destruidor do mundo natural e, portanto, deveria ser mantido separado das áreas naturais que necessitam de uma “proteção total”.

O mito moderno da natureza intocada, segundo Diegues, daria origem a criação de parques naturais e posteriormente as áreas de conservação ou unidades de conservação ambiental, iniciado nos Estados Unidos, em Yellowstone, meados do século XIX, para fins de recreação, contemplação da natureza. Essa ideia de parques envolve a concepção na literatura europeia de “paraísos perdidos”, pedaços da natureza intocada (selvagem), sem a presença do homem ao redor do mundo.

No bojo do debate ambiental, o mito moderno da natureza intocada, segundo o autor refere-se a um conjunto de representações existentes entre setores importantes do Conservacionismo ambiental de nosso tempo, portador de uma concepção hipocêntrica das relações homem-natureza, pela qual o mundo natural tem direito idênticos ao ser humano.

Entretanto, a concepção de “mundo natural” diverge entre as populações urbanas, indígenas e das zonas rurais, pois o conceito de “mundo natural/selvagem/ como terra intocada ou domesticada” é, fundamentalmente, uma percepção urbana, uma visão de pessoas que vivem longe do ambiente natural de que dependem como fonte de matéria-prima.  As populações tradicionais, indígenas, ribeirinhos e extrativistas, têm percepções diferentes das áreas que os urbanos designam como “mundo natural” e baseiam seu uso da terra em visões alternativas.

Os grupos indígenas e os ribeirinhos consideram a floresta sua casa e não selvagem. Muitos agricultores, desenvolveram uma relação pessoal com o meio ambiente e a conservação ambiental não faz parte do seu discurso, mas é parte integrante do dia-a-dia de seu modo de vida e de suas percepções das relações homem com a natureza.

Diegues (1994) destaca que o modelo de Conservacionismo foi nocivo e devastador para as “populações tradicionais” de extrativistas, pescadores, índios, cuja relação com a natureza é diferente dos “ideólogos” dos parques nacionais, enfatizando a importância das populações locais para assegurar a diversidade biológica.

Diegues diz que é “inevitável repensar o conceito de “florestas naturais. Além do que torna-se necessário resgatar os sistemas tradicionais de manejo praticado pelas populações tradicionais, técnicas essas que tem contribuído para a preservação da diversidade biológica”.

Registra-se das conclusões de Diegues, que nem todos os moradores são conservacionistas natos, mas entre eles há populações tradicionais que armazenaram um vasto conhecimento empírico do funcionamento do mundo natural em que vivem e a necessidade de conhecermos melhor as relações entre a manutenção da diversidade biológica e a conservação da diversidade cultural.

Toma-se como exemplo, as experiências da população ribeirinha da cidade de Terra Santa/PA, em sua relação com a natureza, ao observarem o desaparecimento dos quelônios, manifestaram preocupações ambientais de desenvolvimento sustentável para as atuais e futuras gerações no uso dos recursos naturais, dando origem ao projeto Pé-de-Pincha.


[1] Professor da Ufam, filosofo, especialista em Ética e Mestre em Estudos Amazônicos pela Universidad Nacional de Colômbia - UNAL, com ênfase em Desenvolvimento Regional.

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