A
DESMISTIFICAÇÃO DO MITO MODERNO DA NATUREZA INTOCADA
Josenildo Santos de Souza[1]
As
pesquisas arqueológicas recentes, realizadas desde 2006 em parceria com o Museu
de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP), que estão sento
desenvolvidas na região do Médio Solimões, que ocorrem tanto nas reservas
Mamirauá e Amanã, quanto em áreas vizinhas, nos municípios de Tefé e Alvarães,
apontam indícios na região de um cenário bem distinto. Vestígios encontrados em
diferentes áreas evidenciam e indicam uma história milenar de ocupação humana,
datada de mais de 14 mil anos, com efeitos ambientais, sociais e econômicos.
Entre as décadas
de 60 e 2000, houve um vertiginoso crescimento da conscientização dos problemas
ambientais oriundos da aceleração do crescimento econômico no mundo
globalizado, envolvendo a escassez dos recursos naturais, extinção das espécies
da flora e da fauna, degradação ambiental e movimentos ambientalistas visando a
implementação de remediar os males.
No
aspecto ambiental gera o debate entre duas correntes teórico-prática: O
Conservacionismo que pregava a administração do uso racional dos recursos
naturais por meio do manejo sustentável deve ser usado para o benefício da
sociedade e os indivíduos possam satisfazer suas necessidade e o
preservacionismo a “reverência” da natureza no sentido da contemplação,
apreciação estética e espiritual da vida selvagem, ou seja, é a corrente que
defende a preservação intocável dos recursos naturais visando garantir a
perenidade e integridade da área.
Carlos
Diegues, em seu livro O mito moderno da
natureza intocada, publicado em 1994, já defendia a tese que não existe uma
natureza pristina, intocada, explicitando o conceito e a noção de natureza
intocada e mito moderno. Para o autor a noção de mito naturalista, da natureza
intocada, do mundo selvagem diz respeito a uma representação simbólica pela
qual existiriam áreas naturais intocadas e intocáveis pelo homem, apresentando
componentes num estado de natureza pristina “puro” até anterior ao aparecimento
do homem. Esse mito supõe a incompatibilidade entre as ações de quaisquer
grupos humanos e a conservação da natureza. O homem seria, desse modo, um
destruidor do mundo natural e, portanto, deveria ser mantido separado das áreas
naturais que necessitam de uma “proteção total”.
O mito moderno
da natureza intocada, segundo Diegues, daria origem a criação de parques
naturais e posteriormente as áreas de conservação ou unidades de conservação
ambiental, iniciado nos Estados Unidos, em Yellowstone, meados do século XIX,
para fins de recreação, contemplação da natureza. Essa ideia de parques envolve
a concepção na literatura europeia de “paraísos perdidos”, pedaços da natureza
intocada (selvagem), sem a presença do homem ao redor do mundo.
No bojo
do debate ambiental, o mito moderno da natureza intocada, segundo o autor refere-se
a um conjunto de representações existentes entre setores importantes do
Conservacionismo ambiental de nosso tempo, portador de uma concepção
hipocêntrica das relações homem-natureza, pela qual o mundo natural tem direito
idênticos ao ser humano.
Entretanto,
a concepção de “mundo natural” diverge entre as populações urbanas, indígenas e
das zonas rurais, pois o conceito de “mundo natural/selvagem/ como terra
intocada ou domesticada” é, fundamentalmente, uma percepção urbana, uma visão
de pessoas que vivem longe do ambiente natural de que dependem como fonte de
matéria-prima. As populações
tradicionais, indígenas, ribeirinhos e extrativistas, têm percepções diferentes
das áreas que os urbanos designam como “mundo natural” e baseiam seu uso da
terra em visões alternativas.
Os grupos
indígenas e os ribeirinhos consideram a floresta sua casa e não selvagem.
Muitos agricultores, desenvolveram uma relação pessoal com o meio ambiente e a
conservação ambiental não faz parte do seu discurso, mas é parte integrante do
dia-a-dia de seu modo de vida e de suas percepções das relações homem com a
natureza.
Diegues
(1994) destaca que o modelo de Conservacionismo foi nocivo e devastador para as
“populações tradicionais” de extrativistas, pescadores, índios, cuja relação
com a natureza é diferente dos “ideólogos” dos parques nacionais, enfatizando a
importância das populações locais para assegurar a diversidade biológica.
Diegues diz
que é “inevitável repensar o conceito de “florestas naturais. Além do que
torna-se necessário resgatar os sistemas tradicionais de manejo praticado pelas
populações tradicionais, técnicas essas que tem contribuído para a preservação
da diversidade biológica”.
Registra-se
das conclusões de Diegues, que nem todos os moradores são conservacionistas
natos, mas entre eles há populações tradicionais que armazenaram um vasto
conhecimento empírico do funcionamento do mundo natural em que vivem e a
necessidade de conhecermos melhor as relações entre a manutenção da diversidade
biológica e a conservação da diversidade cultural.
Toma-se
como exemplo, as experiências da população ribeirinha da cidade de Terra Santa/PA,
em sua relação com a natureza, ao observarem o desaparecimento dos quelônios,
manifestaram preocupações ambientais de desenvolvimento sustentável para as
atuais e futuras gerações no uso dos recursos naturais, dando origem ao projeto
Pé-de-Pincha.
[1]
Professor da Ufam, filosofo, especialista em Ética e Mestre em Estudos
Amazônicos pela Universidad Nacional de Colômbia - UNAL, com ênfase em
Desenvolvimento Regional.
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