quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Gerald Cohen Em busca de uma alternativa socialista


Gerald Cohen  Em busca de uma alternativa socialista

“O Socialismo”, disse Albert Einstein, é a tentativa da humanidade “superar e sobrepujar a fase predatória da evolução humana”; e, para Gerald. A. Cohen, “todo mercado (...) é um sistema predatório”. Essa é a essência do último livro de Cohen, considerado pelo The Guardian como o maior filósofo político marxista dos nossos dias. O propósito do autor, que morreu em agosto de 2009, é assentar o que chama de as bases “preliminares” - uma tentativa que, afinal, bem poderia chegar a ser derrotada por realidades inexoráveis – de uma alternativa socialista.

Ellen Wood - Sin Permiso

Ellen Melksins Wood resenha o livro póstumo de Gerald A. Cohen “Why not Socialism?” (Princeton, 83 pgs, ISBN 978 0 691 143613).

“O Socialismo”, disse Albert Einstein, é a tentativa da humanidade “superar e sobrepujar a fase predatória da evolução humana”; e, para Gerald. A. Cohen, “todo mercado (...) é um sistema predatório”. Tal é a essência de seu último livro, breve porém incisivo e elegantemente escrito (Cohen morreu em agosto passado). Seu propósito é assentar o que chama de as bases “preliminares” - uma tentativa que, afinal, bem poderia chegar a ser derrotada por realidades inexoráveis – de uma alternativa socialista. É desejável, pergunta-se, e se desejável, factível, construir uma sociedade movida por algo que não seja a predação, que não responda às motivações “mesquinhas”, “baixas”, “repugnantes” do mercado, mas que esteja antes dirigida por um compromisso moral com a comunidade e com a igualdade?

Em seu estilo caracteristicamente lúcido, comprometido e delicadamente humorístico, Cohen começa imaginando um grupo de pessoas numa excursão para um camping. Nessas circunstâncias, sugere que a maioria das pessoas seriam “vigorosamente a favor de uma forma socialista de vida, preferindo-a outras alternativas factíveis”, comportando-se assim, pois, conforme aos princípios de igualdade e de comunidade, muito distintos dos que governam o comportamento normal no mercado. A questão é se esses princípios do acampamento poderiam ou deveriam ser postos em prática por obra do conjunto da sociedade. Na sua opinião, isso seria desejável para evitar os resultados necessariamente injustos dos mecanismos de mercado e as desigualdades que os acompanha. Mas é factivel?

Sobre isso, o veredito está por se pronunciar. É importante, insiste Cohen, distinguir entre dois tipos muito diferentes de obstáculos, os que emanam das limitações da natureza humana e os procedentes das limitações da tecnologia social; e conclui que nosso principal problema não é o egoísmo humano, mas a “carência do que chamamos de tecnologia organizativa adequada”. Trata-se, em outras palavras, de um problema de design. Mas, o fato de que não saibamos como desenhar a maquinaria social que teria de funcionar no socialismo não significa que nunca o poderemos ou que nunca o quereremos.

Cohen foca na idéia do “socialismo de mercado”, um sistema que estaria ainda fundado no mecanismo de preços, mas que evitaria a concentração de capital que gera o grosso das desigualdades do mercado capitalista. Isso, para ele, seria melhor que nada. É “o gênio do mercado que recruta motivações de baixa qualidade para fins desejáveis”; mas, o que os socialistas de mercado esquecem é que também há efeitos indesejáveis e que também esse seu tipo de mercado se orienta conforme esses motivos “mesquinhos”. Assim, pois, ele preferiria seguir buscando um meio de obter efeitos econômicos produtivos fundado em outras motivações.

As preocupações morais da filosofia de Cohen e – na sua análise dos mercados – e sua ênfase na moralidade das motivações poderiam parecer, à primeira vista, muito distantes; até diametralmente opostos à obra com que começou a se tornar conhecido: Karl Marx's Theory of History: A Defense (1978). O necrológio de Cohen publicado no The Guardian, em que ele é descrito como “comprovadamente o principal filósofo político da esquerda”, falou desse livro como de uma “reinterpretação revolucionária da teoria marxista”. Na realidade, o que Cohen produziu foi algo ainda mais audacioso. Era menos uma reinterpretação de Marx que uma defesa cerrada da interpretação mais ortodoxa.

É verdade, como se disse no Guardian, que aquilo que Cohen e seus colegas “marxistas analíticos” gostavam de chamar de o “no-bullshit Marxism” ou o “marxismo não charlatão”(1) arrastaram a teoria marxista para o vão da “ciência social burguesa da corrente principal”, aplicando-lhe as técnicas linguísticas e lógidas da filosofia analítica; só isso já era uma façanha. A teoria que ele defendia, cuja substância era um determinismo tecnológico, devia menos a Marx que a intérpretes posteriores, como Georgi Plejánov; mas terminou sendo tomada como a essência do materialismo histórico, no modo como o entendiam tanto os ideólogos dos partidos comunistas quanto os antimarxistas mais furibundos. O que tornou o projeto de Cohen ainda mais notório foi que, na época em que publicou sua defesa, essa ortodoxia tinha sido vigorosamente desafiada por historiadores que trabalhavam na tradição marxista, desde E.P.Thompson a Robert Brenner; e o velho determinismo tecnológico já tinha cedido espaço a interpretações muito diferentes de Marx.

É verdade que, uma vez descoberto, não é provável que todo progresso chegue a desaparecer por completo. Mas a compulsão primordial de melhorar constantemente as forças técnicas de produção não é uma lei geral da história. É, para bem ou para o mal, uma característica específica de uma forma social, o capitalismo. Seu modo particular de exploração, à diferença de quaisquer outro gera, como condição mesma de sua sobrevivência, uma compulsão implacável de melhorar a produtividade e, assim, de rebaixar os custos do trabalho, a fim de satisfazer e maximizar o lucro.

Embora as inevitabilidades históricas do determinismo tecnológico de Cohen tenham sido traduzidas por outros marxistas analíticos na linguagem da “eleição racional”, parecia haver nesse determinismo pouca margem para a eleição moral ou para as motivações morais, como forças históricas dinâmicas. Sem embargo, sua carreira intelectual subsequente se consagrou na questão da justiça e da igualdade socialistas, que estão no núcleo de seu último livro. Pareceria um caminho distante desde sua peculiar variedade de marxismo; e, visto que terminou descrevendo a si mesmo como um “ex-marxista”, poderíamos nos ver tentados a deixar as coisas assim, limitando-nos a concluir que, tendo repudiado o marxismo, e com ele quaisquer ilusões sobre o curso necessário da história, restou livre para pensar sobre o socialismo, não em termos de algo historicamente inevitável, mas como uma opção moral.

As coisas, porém, não são simples assim. Se contrastarmos o marxismo de Cohen com outras versões disponíveis, o que salta aos olhos é a congruência entre seu precoce determinismo tecnológico e sua filosofia moral dos últimos anos de vida. Não só porque seguiu apaixonadamente compromissado, como ex-marxista não menos que como marxista ortodoxo, com os valores socialistas e em especial com a igualdade. O certo é que sua teoria da história também está conectada com sua filosofia moral, no sentido de que ambas, afinal, são a-históricas. Isso é óbvio o suficiente quando referido nas abstrações da filosofia analítica, mas parece algo estranho se atribuído a uma teoria da história. O fato é que resulta extremamente difícil sustentar esse tipo de determinismo transhistórico [em termos kantianos, transcendental], sem se desinteressar dos processos históricos: não só das particularidades e das contingências do tempo e lugar, mas dos princípios diferencialmente operantes em cada modo específico de organizar a vida social.

(1) Bullshit é expressão da língua inglesa falada nos EUA e muito popular, que o filósofo Harry Frankfurt tomou de empréstimo para se referir a trabalhos intelectuais que não são exatamente nem falsários nem mentirosos, mas algo ainda pior, porque o falsário ou mentiroso são capazes de distinguir o verdadeiro do falso, ao passo que o bullshiter perdeu até essa capacidade.

(*) Ellen Meiksins Wood foi durante muitos anos professora de ciência política e filosofia na York University de Toronto, Canadá e também fez parte do comitê editorial da New Left Review. Entre 1997 e 2000 co-editou, junto com Paul Sweezy e Harry Magdoff, a revista estadunidense Monthlly Review.
De orientação marxista, Wood publicou recentemente: “Citizens to Lords: A Social History of Western Political Thought from Antiguity to Middle Ages (Verso, London, 2008), The Origin of Capitalism: A Longer View (Verso, London, 2002). No Brasil, a Boitempo Editorial publicou Democracia contra Capitalismo: A Renovação do Materialismo Histórico, em 2003.

Tradução: Katarina Peixoto
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16528&editoria_id=6

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Noam Chomsky - Perdendo o mundo: o declínio dos EUA em perspectiva


“Perdendo o mundo”: o declínio dos EUA em perspectiva



O declínio dos Estados Unidos entrou, há algum tempo, em uma nova fase: a do declínio autoinfligido. Desde os anos 70 tem havido mudanças significativas na economia dos EUA, à medida que estrategistas, estatais e do setor privado, passaram a conduzi-la para a financeirização e à exportação de plantas industriais. Essas decisões deram início ao círculo vicioso no qual a riqueza e o poder político se tornaram altamente concentrados, os salários dos trabalhadores ficaram estagnados, a carga de trabalho aumentou e o endividamento das famílias também. O artigo é de Noam Chomsky.

Noam Ch osmky - Al Jazeera

Data: 17/02/2012

Aniversários significativos são comemorados solenemente – o do ataque japonês à base da Marinha norteamericana de Pearl Harbor, por exemplo. Outros são ignorados, e podemos sempre aprender importantes lições que eles nos dão de como é possível seguir mentindo adiante. Na verdade, agora.

No momento, estamos errando em não comemorar o 50° aniversário da decisão do presidente John F Kennedy de promover a mais assassina e destrutiva agressão do período pós-Segunda Guerra: a invasão do Vietnã do Sul, e depois de toda a Indochina, deixando milhões de mortos e quatro países devastados, com perdas ainda crescentes causadas pela exposição do país aos carcinogênicos mais letais de que se tem conhecimento, que comprometeram a cobertura vegetal e a produção de alimentos.

O primeiro alvo foi o Vietnã do Sul. A agressão depois se espalhou para o Norte, e então para a sociedade remota do nordeste do Laos, até finalmente chegar ao rural Camboja, que foi bombardeado de tal maneira que chegou ao nível impressionante de ser alvo de todas as operações aéreas aliadas da região do Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial, incluindo as duas bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki. Aí, as ordens de Henri Kissinger estavam sendo obedecidas – “qualquer coisa que voe ou se mova”; uma rara convocação para o genocídio na história.

Pouco disso tudo é lembrado. A maior parte desses massacres é escassamente conhecida para além dos estreitos círculos de ativistas.
Quando a invasão teve início, há cinquenta anos, a preocupação era tão pouca que havia poucos esforços de justificação; dificilmente iam além do impassível apelo do presidente de que “estamos nos opondo, ao redor do mundo, a uma conspiração monolítica e brutal que opera principalmente em meios disfarçados de expansão de sua esfera de influência” e se a conspiração consegue realizar seus objetivos no Laos e no Vietnã, “os portões estarão amplamente abertos".

Em outro lugar, ele alertou em seguida que “as sociedades leves, complacentes e autoindulgentes estavam para ser varridas para os escombros da história [e] só a força... pode sobreviver”, neste caso refletindo a respeito do fracasso da agressão e do terror estadunidenses em esmagar a independência cubana.

Quando os protestos começaram a crescer, meia dúzia de anos depois, o respeitado historiador militar e especialista em Vietnã Bernard Fall, nenhum pacifista, previu que “o Vietnã como uma entidade histórica e cultural...está ameaçada de extinção...[enquanto]...a sua área rural literalmente morre sob as explosões da maior máquina militar jamais em operação numa área deste tamanho”. Ele estava, mais uma vez, referindo-se ao Vietnã do Sul.

Quando a guerra acabou oito horrendos anos depois, a opinião dominante estava dividida entre aqueles que a descreviam como uma “causa nobre” que poderia ter sido vencida com mais dedicação e o extremo oposto, os críticos, para quem se tratou de “um erro” que se provou altamente custoso. Por volta de 1977, o Presidente Carter chamou pouca atenção quando explicou que “não havia dívida” nossa com o Vietnã porque “a destruição foi mútua”.

Há lições importantes em tudo isso para hoje, mesmo deixando de lado os fracos e derrotados que são chamados para responder por seus crimes. Uma lição é que para entender o que está acontecendo devemos buscar não apenas criticar os acontecimentos no mundo real, frequentemente dispensados pela história, mas também aquilo em que os líderes e a opinião da elite acreditam, mesmo que com tintas de fantasia. Uma outra lição é que, ao lado dos frutos da imaginação fabricados para aterrorizar e mobilizar o público (e talvez acreditados por aqueles enganados pela própria retórica), há também planejamento geoestratégico baseado em princípios que são racionais e estáveis em longos períodos, porque estão enraizados em instituições estáveis e na agenda destas. Isso também é verdade no caso do Vietnã. Eu voltarei a isso, só destacando aqui que os elementos persistentes na ação estatal são geralmente bastante opacos.

A guerra do Iraque é um caso instrutivo. Ela foi vendida para um público aterrorizado com as ameaças usuais da autodefesa contra uma formidável ameaça à sobrevivência: a “única questão” que George W. Bush e Tony Blair declararam foi se Saddam Hussein iria encerrar o seu programa de desenvolvimento de armas de destruição em massa. Quando a única questão recebeu a resposta errada, a retórica do governo mudou rapidamente para o nosso “anseio por democracia”, e a opinião pública educada seguiu devidamente o curso; o de sempre.

Mais tarde, à medida que a escalada da derrota no Iraque se tornou difícil de esconder, o governo quietamente concedeu o que estava claro para todo mundo. Em 2007-2008, a administração anunciou oficialmente que um acordo final deve assegurar a permanência de bases militares dos EUA e o direito de operações de combate, no país, e deve privilegiar os investidores estadunidenses na exploração de seu rico sistema energético – demandas que mais tarde foram relutantemente abandonadas diante da resistência iraquiana. E tudo ficou bastante escondido da maioria das pessoas.

Padronizando o declínio americano

Com essas lições em mente é útil dar uma olhada ao que é destacado na manchete dos maiores jornais de política e opinião, hoje. Peguemos a mais prestigiada das publicações do establishment, Foreign Affairs. A manchete estrondosa da capa de dezembro de 2011 estampava em negrito: “A América acabou?”.

O artigo da capa pedia “corte de gastos” nas “missões humanitárias” no exterior, que estavam consumindo a riqueza do país, para impedir o declínio americano, que é o maior tema nos discursos do ambiente de negócios, que frequentemente vem acompanhado do corolário de que o poder está mudando para o Leste, para a China e (talvez) a Índia.

Agora os principais artigos são a respeito de Israel e Palestina. O primeiro, de autoria de dois altos oficiais israelenses, é intitulado “O Problema é a Rejeição Palestina”: o conflito não pode ser resolvido porque os palestinos se recusam a reconhecer Israel como Estado Judeu – então em conformidade com a prática diplomática padrão: estados são reconhecidos, mas não seus setores privilegiados. A demanda é dificilmente outra coisa que um novo dispositivo para deter a ameaça de solução política para os assentamentos ilegais que minaria os objetivos expansionistas israelenses.

A posição oposta é defendida por um professor estadunidense tem o título “O Problema é a Ocupação”. No subtítulo se lê: “Como a Ocupação está Destruindo a Nação”. Qual nação? A de Israel é claro. Ambos os artigos aparecem com o título, em cache: “Israel sitiado”.

A edição de janeiro de 2012 lança ainda um outro chamamento para o bombardeio do Irã, agora, antes que seja tarde demais. Alertando contra “os perigos da dissuasão”, o autor sugere que “céticos com relação à ação militar falham em avaliar o verdadeiro perigo que um Irã com armas nucleares imporia aos interesses dos EUA no Oriente Médio e além. E em suas previsões sombrias imaginam que a cura pode ser pior do que a doença – quer dizer, que as consequências de um ataque estadunidense ao Irã seriam tão ruins ou piores do que se o país conseguisse levar a cabo suas ambições nucleares. Mas essa é uma suposição falsa. A verdade é que um ataque militar visando a destruir o programa nuclear iraniano, se for feito com cuidado, poderia significar para a região e para o mundo uma ameaça muito real e melhorar dramaticamente a segurança nacional dos Estados Unidos no longo prazo”.

Outros argumentam que os custos seriam altos demais e no limite alguns chegam a dizer que um ataque [ao Irã] violaria o direito internacional – como o fazem os moderados, que regularmente lançam ameaças de violência, em violação à Carta das Nações Unidas.

Vamos rever cada uma dessas preocupações dominantes

O declínio americano é real, embora a visão apocalíptica reflita a percepção bastante familiar da classe dominante de que algum controle menor ou total implica o desastre total. A despeito desses lamentos piedosos, os EUA persevera como poder dominante mundial por larga margem, e não há competidores à vista, não apenas em dimensões militares, a respeito das quais os EUA reina supremo.

A China e a Índia registraram crescimento rápido (embora altamente desigual), mas permanecem países muito pobres, com problemas internos enormes não enfrentados pelo Ocidente. A China é o maior centro industrial do mundo, mas majoritariamente como uma linha de montagem para as potências industriais avançadas, em sua periferia, e para as multinacionais ocidentais. É provável que isso mude com o tempo. A indústria em regra provê as bases para a inovação e a invenção, como vem ocorrendo às vezes, na China. Um exemplo que impressionou os especialistas ocidentais foi a tomada chinesa da liderança no mercado crescente de painéis solares, não apenas com base na mão de obra barata, mas no planejamento coordenado e, crescentemente, na inovação.

Mas os problemas que a China enfrenta são sérios. Alguns são demográficos, reportados na Science, o líder dos semanários estadunidenses de divulgação científica. O estudo mostra que a mortalidade caiu bruscamente na China durante os anos maoístas, “principalmente um resultado do desenvolvimento econômico e das melhorias nos serviços educacionais e de saúde, especialmente ao movimento de higiene pública que resultou num golpe drástico à mortalidade por doenças infecciosas”. Esse progresso acabou com o início das reformas capitalistas no país, há 30 anos, e a taxa de mortalidade desde então tem aumentado.

Além disso, o crescimento econômico chinês recente contou substancialmente com um “bônus demográfico”, uma grande população em idade economicamente ativa. “Mas a janela para o uso desse bônus pode fechar logo”, com um “impacto profundo no desenvolvimento”: “o excesso de mão de obra barata, que é um dos maiores fatores de condução do milagre econômico chinês não estará mais disponível”. A demografia é apenas um dos muitos problemas sérios pela frente. No que concerne a Índia, os problemas são ainda mais graves.

Nem todas as vozes proeminentes anteveem o declínio americano. Na mídia internacional, não há nada mais sério e respeitável que o Financial Times. O jornal recentemente dedicou uma página inteira às expectativas otimistas de que nova tecnologia para extrair combustível fóssil norteamericano pode fazer com que os EUA se torne energeticamente independente, mantendo portanto sua hegemonia por um século. Não há menção ao tipo de mundo que os EUA comandará nesse acontecimento feliz, mas não por falta de evidência.

Quase ao mesmo tempo, a Agência Internacional de Energia reportou que, com o aumento rápido das emissões de carbono dos combustíveis fósseis, o limite de uso seguro será atingido por volta de 2017, se o mundo continuar no atual curso. “A porta está fechando”, disse o economista-chefe da AIE, e em muito breve “fechará de vez”.

Pouco antes, o Departamento de Energia dos EUA informou que as imagens mais recentes das emissões de dióxido de carbono, com “a elevação para o maior índice já registrado”, chegaram num nível mais elevado do que os piores cenários antecipados pelo Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC). Isso não é surpresa para muitos cientistas, inclusive os do programa do MIT para mudança climática, que por anos alertou que os prognósticos do IPCC eram conservadores demais.

Esses críticos das previsões do IPCC receberam virtualmente atenção pública nenhuma, ao contrário dos grupos denegadores do aquecimento global, que são apoiados pelo setor corporativo, juntamente a imensas campanhas de propaganda que tem levado os americanos para fora do espectro internacional dessas ameaças. O apoio das corporações também se traduz diretamente no poder político. A denegação é parte do catecismo que deve ser entoado pelos candidatos republicanos na ridícula campanha eleitoral em curso, e no Congresso eles são poderosos o suficiente para abortar até investigações sobre o efeito do aquecimento global, deixando de lado qualquer ação séria a respeito. Numa palavra, o declínio americano pode talvez ser interditado se abandonarmos a esperança pela sobrevivência decente, prognóstico também bastante real, dado o equilíbrio de forças no mundo.

“Perdendo” a China e o Vietnã

Deixando de lado essas coisas desagradáveis, um olhar de perto para o declínio americano mostra que a China na verdade joga um grande papel nele, tanto como o jogava há 60 anos. O declínio que agora gera tanta preocupação não é um fenômeno recente. Ele remonta ao fim da Segunda Guerra Mundial, quando os EUA tinha metade da riqueza do mundo e dispunha de níveis globais de segurança incomparáveis. Os estrategistas políticos estavam naturalmente bastante conscientes dessa enorme disparidade de poder e pretendiam mante-la assim.

O ponto de vista básico foi apresentado com admirável franqueza num grande documento de 1948. O autor era um dos arquitetos da Nova Ordem Mundial da época, o representante da equipe de Planejamento Político do Departamento de Estado dos EUA, o respeitado estadista e acadêmico George Kennan, um pacifista moderado, dentre os estrategistas. Ele observou que o objetivo político central era manter a “posição de disparidade” que separava a nossa enorme riqueza da pobreza dos outros. Para alcançar esse objetivo, advertiu, “nós deveríamos para de falar de objetivos vagos e... irreais, como direitos humanos, a elevação do padrão de vida e a democratização”, e devemos “lidar com conceitos estritos de poder”, não “limitados por slogans idealistas” a respeito de “altruísmo e o benefício do mundo”.

Kennan estava se referindo especificamente à Ásia, mas as observações dele se generalizam, com exceções, aos participantes do atual sistema de dominação global dos EUA. Ficou bastante claro que os “slogans idealistas” deveriam ser apresentados sobretudo quando dirigidos aos outros, inclusive às classes intelectualizadas, das quais se esperava que os disseminassem.

O plano de Kennan ajudou a formular e a implementar a tomada de controle dos EUA do Hemisfério Oeste, do Extremo Leste e das regiões do ex-império britânico (incluindo os incomparáveis recursos energéticos do Oriente Médio), e o quanto foi possível da Eurásia, sobretudo seus centros comerciais e industriais. Esses não eram objetivos irreais, dada a distribuição do poder. Mas o declínio foi então definido de vez.

Em 1949, a China declarou independência, um evento conhecido no discurso do Ocidente como “a perda da China” – nos EUA, com algumas recriminações amarguradas e o conflito interpretativo a respeito de quem tinha sido o responsável por essa perda. A terminologia é reveladora. Só é possível perder o que em algum momento se teve. A assunção tácita era que os EUA tinham a China, por direito, juntamente à maior parte do resto do mundo, tanto como os estrategistas do pós-guerra pensavam.

A “perda da China” foi o primeiro grande passo do “declínio americano”. Foi o que teve grandes consequências políticas. Uma delas foi a decisão imediata de apoiar o esforço francês de reconquista da sua ex-colônia da Indochina, para que esta também não fosse “perdida”.

A Indochina mesma não era motivo de preocupação maior, a despeito das afirmações de suas riquezas naturais por parte do presidente Eisenhower e outros. A preocupação maior era antes com a “teoria do efeito dominó”, a qual é frequentemente ridicularizada quando os dominós não caem, mas permanece um princípio regulador da política, porque é bastante racional. Para adotar a versão Henri Kissinger dele, uma localidade que cai fora do controle pode se tornar um “vírus” que irá “contagiar”, induzindo outros a seguirem o mesmo caminho.

No caso do Vietnã, a preocupação era que esse vírus do desenvolvimento independente pudesse infectar a Indonésia, que de fato é rica em recursos. E isso pode levar o Japão – o “superdominó”, como o proeminente historiador da Ásia John Dower chamava – a “acomodar” uma Ásia independente como seu centro tecnológico e industrial num sistema que escaparia do alcance do poder dos EUA. Isso significaria, com efeito, que o EUA tinha perdido a fase Pacífico da Segunda Guerra, na qual lutou para tentar impedir que o Japão estabelecesse uma Nova Ordem na Ásia.

O modo de lidar com um problema desse é claro: destruir o vírus e “inocular” aqueles que podem ser infectados. No caso do Vietnã, a escolha racional era destruir qualquer esperança de desenvolvimento independente bem sucedido e impor ditaduras brutais nos arredores. Essas tarefas foram levadas a cabo com sucesso – embora a história tenha sua própria astúcia, e algo similar ao que foi temido desde então tenha se desenvolvido no Leste da Ásia, a maior parte para consternação de Washington.

A vitória mais importante das guerras da Indochina deu-se em 1965, quando um golpe de estado militar, com o apoio dos EUA, liderado pelo general Suharto significou crimes massivos comparados pela CIA aos de Hitler, Stalin e Mao. A “assombrosa matança massiva”, como descreveu o New York Times, foi acuradamente reportada nos meios dominantes, e com euforia desenfreada.

Foi um “brilho de luz na Ásia”, como observou o comentarista liberal James Reston, no Times. O golpe encerrou as ameaças à demoracia ao demolir o partido político de massas, dos pobres, estabelecendo uma ditadura que registrou as piores violações aos direitos humanos no mundo, e deixou as riquezas do país abertas aos investidores ocidentais. Poucos questionaram que depois de tantos horrores, inclusive a quase genocida invasão do Timor Leste, Suharto ter sido bem recebido pela administração Clinton, em 1995, como “nosso tipo de cara”.

Anos após os grandes eventos de 1965, o Conselheiro para Assuntos de Segurança Nacional de Kennedy e Johnson, McGeorge Bundy refleteria que teria sido sensato acabar com a guerra do Vietnã a tempo, com o “vírus” virtualmente destruído e, o principal, o dominó solidamente no lugar, no esteio de outras ditaduras apoiadas pelos EUA pela região.

Procedimentos similares são rotineiramente seguidos em outros lugares. Kisssinger estava se referindo especificamente à ameaça da democracia socialista no Chile. Essa ameaça acabou em outra data esquecida, que os latino-americanos chamam de “O Primeiro 11 de Setembro”, que em violência e efeitos nefastos excedeu em muito o 11 de Setembro comemorado no Ocidente. Uma ditadura viciosa foi imposta ao Chile, como uma parte da praga de repressão brutal que se espalhou pela América Latina, chegando até a América Central, nos anos Reagan.

Esse vírus tem gerado preocupações profundas aqui e ali, inclusive no Oriente Médio, onde a ameaça de um nacionalismo secular tem consternado os estrategistas britânicos e estadunidenses, induzindo-os a apoiar o fundamentalismo islâmico a opor-se a isso.

A concentração da riqueza e o declínio americano

Mesmo com essas vitórias, o declínio americano continuou. Por volta de 1970, a parte da riqueza do mundo dos EUA saltou para 25%, basicamente onde está hoje, concentração ainda colossal, mas bastante inferior àquela de fins da Segunda Guerra. Nessa época, o mundo industrial era “tripolar”: a base norte americana, dos EUA, a europeia, da Alemanha, e a do Leste da Ásia, já a região industrial mais dinâmica, naquele tempo com base no Japão, mas hoje incluindo as ex-colônias japonesas de Taiwan e o Sul da Coreia, e mais recentemente a China.

Nesse período o declínio americano entrou numa nova fase: a do declínio autoinfligido. Desde os anos 70 tem havido mudanças significativas na economia dos EUA, à medida que estrategistas, estatais e do setor privado, passaram a conduzi-la para a financeirização e à exportação de plantas industriais, levada a cabo em parte pelo declínio da taxa de lucro na indústria doméstica. Essas decisões deram início ao círculo vicioso no qual a riqueza se tornou altamente concentrada (dramaticamente nos 0,1% da população), levou à concentração de poder político, e então a uma legislação que o levou adiante, no que concerne à tributação e outras políticas fiscais, à desregulação, às mudança nas regras da administração corporativa - o que permitiu imensos ganhos para os executivos - e por aí vai.

Enquanto isso, para a maioria, os salários reais foram majoritariamente estagnados e ao povo só restou aumentar a carga de trabalho (muito além da europeia), a dívida insustentável e as repetidas bolhas, desde os anos Reagan; criando riquezas de papel que desapareceram inevitavelmente quando a bolha estourou (e os perpretadores foram resgatados pelos contribuintes). Em paralelo a isso, o sistema político foi cada vez mais fragmentado, enquanto ambos os partidos mergulharam cada vez mais nos bolsos das corporações, com a escalada do custo das eleições (os republicanos ao nível do absurdo e os democratas – agora majoritariamente os “ex-republicanos moderados” – não ficaram muito atrás).

Um estudo recente do Instituto de Política Econômica, que tem sido a maior fonte de dados respeitáveis sobre o desenvolvimento, intitula-se Failure by Design [no contexto, algo como Fracasso por Ecomenda]. A frase “by design” é acurada. Outras escolhas eram certamente possíveis. E como mostra o estudo, o “fracasso” tem um corte de classe. Não há fracasso para os “designers”. Longe disso. Antes, as políticas fracassaram para a imensa maioria, os 99% na imagem dos movimentos Occupy – e para o país, que tem declinado e irá continuar a fazê-lo, sob essas políticas.

Um fator que o explica é a transferência das plantas industriais. Como ilustra o exemplo do painel solar, mencionado acima, a industrialização tem a capacidade de promover as bases e o estímulo para a inovação, levando a estágios mais avançados de sofisticação na produção, no design e na invenção. Isso, também, está sendo terceirizado, o que não é um problema para os “mandarins do dinheiro”, que cada vez mais mandam na política, mas é um sério problema para o povo trabalhador e as classes médias, e um desastre real para os mais oprimidos, os afroamericanos, que nunca escaparam do legado da escravidão e de sua mais feia consequência, cuja magra riqueza desapareceu virtualmente depois do colapso da bolha imobiliária, em 2008, originando a mais recente crise financeira, a pior até agora.

(*) Noam Chomsky é professor emérito do Departamento de Linguística e Filosofia do MIT. É o maior linguista do mundo e um dos mais, senão o mais rigoroso e consequente anarquista vivo.

Tradução: Katarina Peixoto

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O COMPLEXO DA AMAZÔNIA - Djalma Batista, fichado e comentado.

O COMPLEXO DA AMAZÔNIA - Djalma Batista
Atualizado, fichado e comentado

Josenildo Santos de Souza. 
                                                                                                   Dados citação: SOUZA, J. S.

Breve análise da realidade atual

Após mais de 36 anos de sua publicação, a obra – o Complexo da Amazônia, de Djalma Batista,  pouco ou quase nada mudou na região. As cidades do interior da Amazônia, especificamente, do Amazonas, salvo as cidades polo, continuam entregues ao abandono: falta de infraestruturas, ausência dos poderes públicos, a economia reduzida ao extrativismo e a agricultura de subsistência. As populações trabalhadoras ao abandono das leis trabalhistas pela ausência das intuições fiscalizadoras.

A tão decantada Zona Franca de Manaus, cujo “modelo visava atender a um importante e imperativo geopolítico básico, isto é, ocupar o território da região e, em especial, aquelas áreas de fronteira e promover o aproveitamento econômico e capitalista da região” (Pontes Filho, 2000, p. 192) que em sua primeira versão (1957) operava como área de livre comercio. Em 1967 passou a configuração atual de Zona de Processamento Industrial, em Manaus não estendeu os benefícios as populações do interior do Estado. .

As cidades desprovidas de ruas asfaltadas. O asfaltamento é paliativo. No período de verão colocam borra de asfalta para criar uma visualidade estética. No período das chuvas torrenciais a estética é das ruas esburacadas, enlameadas ou cheias de areias.

Nos hospitais públicos o atendimento é precário. Faltam médicos, medicamentos. Exames especializados não são oferecidos e a população quando não tem um bom transito com o mandatário político sofre com o deslocamento e a realização dos exames na capital Manaus.

Na questão educacional, ainda que as instituições de ensino superior (UEA e UFAM) estejam presentes nas cidades do interior, não é possível perceber melhoria na qualidade de vida das populações, muito embora seja uma das soluções apontadas por Batista.


No artigo DJALMA BATISTA artigos de jornal - Renan Freitas Pinto (Edua, 2007), propõe  que para compreender e analisar as obra de Djalma Batista, os artigos de jornais que escreveu semanalmente, sobre temas variados, sempre abordando a Amazônia, no Jornal do Comércio, entre os anos de 1977 a 1978 e sua relação com as obras O Complexo da Amazônia: análise do processo de desenvolvimento e Amazônia: Cultura e Sociedade, são extremamente esclarecedores.


O Complexo da Amazônia – Djalma Batista.

O livro escrito por Djalma Batista, dividido em três capítulos, procura analisar, descrever e interpretar a Complexidade da Amazônia, sua necessidade em compreende-la e refletir sua complexidade em diversas as abordagens disciplinar, interdisciplinar, transdisciplinar e multidisciplinar, sua pluralidade sociocultural, ambiental, ecológica, territorial, econômica, política e institucional. Traços marcantes que aferram o subdesenvolvimento, atraso regional, desigualdades sociais, para então propor caminhos para o seu desenvolvimento autosustentado, tendo como base o aspecto socioambiental, ecológico e econômico da região, amparados no desenvolvimento educacional em instituições de pesquisas, formação de recursos humanos em nível de pós-graduação, na concentração de esforços a influir na melhoria da qualidade de vida da população, com o aproveitamento dos recursos naturais em bases econômicas, visando especialmente, a defesa da Amazônia, sua diversidade sociocultural e biodiversidade para a economia regional sustentável e para o futuro da humanidade. 

Batista, percebe o Brasil a partir da Amazônia, trazendo contribuições que "vão da história da medicina, das instituições de pesquisa, dos processos econômicos e da vida cultural e social que transcorre no espaço das cidades maiores e no interior, com suas pequenas cidades e aglomerações humanas espalhadas nessa extensa e variada geografia, sob um enfoque destinado a esclarecer, no contexto brasileiro, as origens e as manifestações do subdesenvolvimento regional", escreve Renan Freitas Pinto, 2007, p. 163. 

Parte da tese, segundo a qual para compreender a complexidade sociocultural da Amazônia, é necessário trabalhar de modo constante e sistemático a relação região - nação e a relação região - subdesenvolvimento, com a necessidade de compreendê-la como dimensão do Brasil. Em suas analises, busca explicações para a falta de perspectivas de sua população, ao atraso relativo que apresenta em relação ao desenvolvimento nacional, cimentada em uma percepção crítica de temas e questões vivenciadas na realidade.

O autor, partindo de diferentes abordagens para compreender o Complexo da Amazônia,  faz uso de categorias de analises de diferentes campos de investigação como a história, a economia, a geografia, a demografia, a ecologia, a sociologia, a antropologia, a literatura, para conectar ideias e mostrar a região com imensas desigualdades sociais e subdesenvolvimento, é o principal objeto de investigação, observação e descrição das experiências cotidianas e de prática profissional de Djalma Batista na região, como profissional da medicina e em ações de saúde pública.

Djalma Batista, adverte que o livro não tem a intensão de ser cientifico, terá um aspecto polêmico, pela maneira de interpretar os fatos discutidos. É um livro escrito e pensado no Amazonas, talvez resultado de subdesenvolvimento cultural reinante. 

Para Djalma Batista, a Amazônia é um território excelente para o desenvolvimento de pesquisa cientifica. Mas também adverte para a necessidade de uma política que discipline a pesquisa na região e o respeito às populações tradicionais. De todos os seres atingidos pelo desequilíbrio ecológico resultante das políticas desenvolvimentistas, os animais têm estado em primeiro lugar, para atender à alimentação do povo e a demanda de couros e peles, principalmente, surgida nos grandes mercados mundiais” (p. 37).

Em relação ao uso da mão de obra, mostra que as leis trabalhistas não atingiram as populações da área amazônica. Veja: “O trabalho passou a ser valorizado, mas a vigência das leis de proteção não atingiu bem a área amazônica, fora das capitais” (p.37).

O objetivo do livro O complexo da Amazônia “é alertar contra o grande mal, que está à vista: a destruição desavisada do último reduto da natureza na face da Terra, transformando-o em outra área-problema para o Brasil, tal como o Nordeste, de terras semidesérticas. Não esquecer que a Amazônia está situada em cima da linha do Equador, com uma alta pluviosidade. Sua defesa e sua riqueza residem precisamente na água e na floresta”. (p. 37).

Mostra e analisa o declínio da Amazônia revelando o descompasso entre a terra e o homem e as desigualdades acentuadas do desenvolvimento brasileiro. Há o Brasil-amazônico subdesenvolvido e o Brasil-centro-sul adiantado. Analisa as razoes porque tudo isso vem acontecendo. Djalma Batista percebe que a economia Amazônica estava estruturada no ciclo da borracha que com o declínio na I Grande Guerra, quebrou os padrões econômicos resultado de uma economia centrada em torno de um único produto: a borracha. “Na verdade, em todo o vale amazônico ficou o mesmo travo amargo de desesperança e amargura, uma vez que a borracha tem sido um marco em nossa história e em nossa psicologia, em torno do qual temos vivido uma verdadeira neurose obsessiva” (p.´ 34).

Prossegue dizendo da inquietação do povo com a falta de oportunidades e de desenvolvimento da região “a inquietação e o desespero amazônicos prosseguiram depois da Revolução de 1930, que assinalou historicamente, o início do processo de desenvolvimento brasileiro, com a industrialização. O trabalho passou a ser valorizado, mas a vigência das leis de proteção não atingiu bem a área amazônica, fora das capitais. Durante a década de 30, vivemos no mesmo abandono, no mesmo atraso e na mesma falta de perspectiva” (p. 35).

O desenvolvimento da Amazônia ganhou corpo a partir do governo de Castelo Branco. Diversas iniciativas abriram um novo horizonte para a população. Djalma ressalta a tese de Agnelo Uchôa Bittencourt, dizendo que o desenvolvimento da Amazônia não é apenas um problema regional ou local, mas um problema do povo brasileiro. (p. 35).

 Concorda com as iniciativas dos empreendimentos para a região, entretanto alerta para as ameaças futuras fazendo as seguintes observações (p.36): 

1 – A natureza amazônica não está suficientemente conhecida e estudada. Considera como prioridade a necessidade de incentivar a pesquisa cientifica e tecnológica para servir de orientação;

2 – Defende o uso equilibrado dos recursos naturais como forma de prevenir o desequilíbrio ecológico da região contra as práticas destrutivas, como o desmatamento desordenado, agricultura itinerante, esgotamento dos recursos da pesca que acentuarão o desequilíbrio entre a água, a flora, a fauna, o ar e o próprio homem;

3 - Criação urgente de uma Agrotécnica para aproveitamento racional das terras amazônicas e a produção de alimentos.

Capitulo I –  Da Pan-Amazônia
 O Espaço e a Humanidade
A Amazônia constitui um domínio ecológico, caracterizado e associado ao “potencial de espaço” e o “vazio demográfico”. Para o autor, Gastão Cruls, sintetizou a ideia de Pan-Amazônia, ao dizer que “ao Brasil caiba a maior extensão desse imenso vale quase ininterruptamente revestido de espessa floresta, nele também se incluem boas faixas territoriais de várias repúblicas hispano-americanas e as três possessões europeias situadas na Guiana”. (BATISTA, 2007, p. 41).

Para Batista (2007, p. 41), o silvícola, tal como para a planta ou para o pássaro, não há fronteiras políticas, entre o Brasil, Colômbia, Peru, República da Guiana, na Bolívia ou na Guiana Francesa, em qualquer desses pontos, “é o ameríndio quem dita os estilos de vida”. (BATISTA, 2007, p. 41). 

A Amazônia constitui-se de uma potência de espaço e um vazio demográfico. São as etnias indígenas que ditam os estilos de vida na região e a continuidade antropogeográfica do mundo amazônico. Os Tiriós que vivem nos dois lados do Tumucumaque. Ianomâmis que circulam livremente entre Brasil e Venezuela. Tucanos entre Brasil e Colômbia e nos Ticunas que dominam o Alto Solimões, tanto em território brasileiro, como peruano e colombiano. O espaço é imenso e a humanidade que nele vive é exígua. (BATISTA, 2007, p. 41-42).

Na compreensão e analise da Panamazônia, Batista (2007) sugere o exame em uma visão “multinacional da área” considerando a Grande Amazônia ou Amazônia Continental, de acordo com Armando Mendes, quando analisou o imenso e urgente problema de aproximação entre as diferentes populações Panamazônia. (BATISTA, 2007).

As Diversidades da Região
Culturalmente, as Amazônias diferem muito, especialmente na linguagem. Cada Amazônia tem as suas características próprias apesar da aparente homogeneidade geográfica, é pouco habitada e possui diversidade étnica e cultural, embora a economia não divirja muito. A economia na Amazônia Continental tem um ponto comum: o extrativismo vegetal ou mineral predominante, em que cada região toma o seu aspecto próprio. Zonas agrícolas na Bragantina e costa da Guiana e Suriname. Pastoril na ilha do Marajó, nordeste do Mato Grosso e nos campos de Roraima. Entretanto a condição de vida de cada segmento da Amazônia é contrastante e resulta do nível social e das condições históricas da respectiva população. (BATISTA, 2007, p. 43).

Conceito de Panamazônia
Panamazônia é um conceito geográfico. Geograficamente, é uma extensa planície, situada acima e abaixo da linha do Equador, situação de que decorrem condições especiais de geologia e climatologia. (p.33). A Amazônia Brasileira foi definida pelo geógrafo Eidorfe Moreira (1958) fixando conceitos hidrográficos, zoogeográfico, fitogeográfico, econômico e politico, dos quais só o último não é aplicável à Grande Amazônia. (p. 33). Em princípio, por Amazônia se entenderiam, todas as terras compreendidas na bacia amazônica. Armando Mendes apud Batista (p. 34) devemos “encarar a Amazônia no seu conjunto, ou seja, como um todo continental. Igual conceito já tinha sido exposto por Samuel Benchimol (1966) e posteriormente adotado por Milcíades Braga (1973)”. (Batista, 2007, 44).

A Panamazônia e o Brasil.
O Brasil em face da Amazônia tem uma responsabilidade muito grande. Ë o detentor da maior parte do rio principal e especialmente de sua desembocadura. Sugestões que merecem destaque: 

1 – aproximar, da melhor maneira possível, os povos amazônicos;

2 – criar uma política de fronteira que supere o problema da transferência de produtos brasileiros para os países vizinhos e vice-versa quebrando o mecanismo de contrabando que vigora intensamente;

3 – estudar questões em comum especialmente de medicina e ecologia para que se estabeleçam normas preservadoras da natureza de toda a Pan-Amazônia, e evitando que se repitam os erros anteriores.

4 – estabelecer nos diversos países mercado livre para os produtos próprios das várias Amazônias; 

5 – apoio à navegação fluvial e aérea;

6 – Atrair estudantes dos países vizinhos para as Universidades do Pará, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso e Acre, e mandando a Iquitos estudantes brasileiros a Universidade local;

7 – Incentivar uma política de cooperação que conduza à formação de uma consciência amazônica. (BATISTA, 2007, p. 50-51).

Dos Índios e dos Brancos
O Choque das Culturas
Djalma Batista diz que em se tratando de Amazônia tanto é possível que se possa errar afirmando como negando quanto às questões estatísticas da população indígena da Amazônia. Quem mais sofreu com o choque cultural trazido pelos colonizadores foram os indígenas da região. Os resultados foram sumamente graves “houve mudança dos métodos de trabalho e dos hábitos alimentares; a imposição de novas crenças, embora o absurdo de pretender que o primitivo pulasse, de um salto, do politeísmo ao monoteísmo; o propósito de subordiná-lo, pela escravidão declarada ou disfarçada aos conquistadores, além de modificações profundas na estrutura familiar”. (BATISTA, 2007, p. 55).

Tais qualidades negativas trouxeram a deformação inter étnica e a degradação das populações nocivas ao homem da Amazônia. Mas apesar de tudo isso “o espírito do índio permanece e sobrevive, nas suas grandes dimensões culturais o que com constitui a maior lição da luta racial secular” (BATISTA, 2007, p. 56) da herança do indígena do Brasil. 

Traço Psicológico da Mestiçagem Cabocla
Mas conforme Batista restou na Amazônia mostras de herança ameríndia no comportamento do povo. Uma delas, das mais típicas, é “uma dose visível de preguiça reinante entre os habitantes do vale, uma indisposição para o trabalho sistemático, um conformismo com o resultado dos modestos esforços realizados e uma permanente despreocupação com o dia de amanhã. [...] Outra herança são os hábitos do banho de imersão frequente; as preferenciais alimentares pelo peixe, pela farinha de mandioca, pelo tacacá e pelo açaí; as vestimentas de cores berrantes tão ao gosto das mulheres, que ainda se enfeitam de muitos adereços, com o que estão dia com a moda atual; a fé evidente em tratamentos por meio de injunções, que traduzem o gosto pelas novidades, e da aplicação das mesmas injunções na veia, pela crença de que atuam diretamente no meio interno°. (BATISTA, 2007, p. 63).

Dos Alimentos Indígenas Naturais
Na Amazônia, a base alimentar é constituída de bens naturais ou resultante de culturas agrícolas. Os bens naturais eram fartos, representados por animais e vegetais.  No Reino animal, assinalam-se: peixes, caças, e aves; algumas formigas, larvas de alguns insetos que parasitam amêndoas de palmeiras como o babaçu, ricas em gorduras; mel produzido por numerosas abelhas. No reino vegetal, destacam-se os variados frutos silvestres e o palmito das palmeiras. Existem ainda algumas ervas, condimentos e diversas pimentas.  (BATISTAS, 2007, P. 69).

Plantas Cultivadas
As culturas eram feitas segundo o sistema tradicional da agricultura itinerante, em consequência da conhecida mobilidade das tribos, em razão da guerra ou talvez pelo próprio instinto nômade.

O Solo a Serviço da Alimentação do Índio
Da utilização da terra, tem-se vestígios da chamada terra preta de índio. Tudo leva a crer que seja de natureza antropogênica. “São solos de natureza fértil e com horizonte eluvial de coloração negra, devido ao elevado teor de matéria orgânica. Além dessa característica química, apresenta elevados teores de fósforo assimilável, cálcio e magnésio trocáveis”. A terra preta é encontrada em solos do Estado do Pará e no Estado do Amazonas, a sudoeste de Manaus, entre os Rios Negro e Solimões; rodovia AM-10; e Colônia Agrícola Cacau Pirêra. (BATISTA, 2007, 71). 

A Mandioca absorveu a agricultura
Na Amazônia, desde antes da colonização europeia, a mandioca é, fator preponderante e básico da alimentação, representando uma supremacia indiscutível sobre todas as demais culturas de subsistência. (p.56). A cultura tem vantagens insofismáveis (rusticidade, facilidade de cultivo e multiplicidade de formas de aproveitamento), em contraposição a desvantagens clamorosas (pobreza na composição, constituída fundamentalmente de carboidratos; a cultura ao alcance do colono pobre e inculto, que visa à própria subsistência, tornando-se fator evidente de degradação do solo). (BATISTA, 2007, p. 73).
Além da rusticidade a facilidade de cultivo, a mandioca é transformada através de processos arcaicos, mas que se integram na cultura da população. Para substitui-la, é preciso que surjam atividades seguramente rentáveis e produtos que satisfaçam as exigências do paladar e a força da tradição. (BATISTA, 2007, 74).

Alimentação e Ecologia
Os primeiros povoadores encontraram a Amazônia semivirgem e puderam assim ter atendias, com relativa fartura e facilidade, as suas necessidades biológicas em proteínas, gorduras, hidratos de carbono, sais minerais e vitaminas. (BATISTA, 2007, 75).

Entretanto, essa fartura, registrada sistematicamente pelos naturalistas visitantes, até o século XVIII, vem se reduzindo aos poucos, importantes fontes alimentares, como os peixes-boi, tartarugas, quelônios em geral chegaram à faixa de alarme, bem como o pirarucu. Mas registra-se que peixes, caça e frutos silvestres, têm épocas sazonais e dependem de fatores ecológicos especiais. (BATISTA, 2007, 75-76).

Do Homem Perante a Geografia
A Primeira Amazônia
Os critérios definidos por Djalma Batista para classificar a Amazônia, tem como ponto de partida a geografia humana, considerando a localização de seus habitantes”. (BATISTA, 2007, p. 111). Desse ponto de vista classifica a Amazônia em três:

a) A primeira Amazônia – Amazônia Brasileira das metrópoles, Belém e Manaus, cidades representativas, cada qual com suas características próprias, “e por isso constituem o que chamo de “Primeira Amazônia”, para a qual convergem navios, aviões, visitantes e imigrantes, além das rendas e da produção de extensas áreas”. (BATISTA, 2007, p. 111). Ambas mantém vínculos históricos, políticos e, sobretudo sociais com a Amazônia, porém econômica e culturalmente estão desligadas da planície.  O rio Amazonas exerce o papel de trampolim, entre as cidades do interior e das metrópoles, que exercem o polo de atração da economia nas duas principais capitais amazônicas. Na Amazônia Continental, só vejo, Iquitos, para situar na “Primeira Amazônia”, uma vez que centraliza a vida econômico-social do Peru pré-andino. (p.112)

A Segunda Amazônia
A outra Amazônia é a das cidades do interior, tanto as que se encontram em fase de desenvolvimento ou são sedes municipais, muitas delas apenas com o rótulo de cidades, como por exemplo, Gurupá, com os traços característicos de uma sede municipal, com o título de cidade, pois carecem de funções administrativas, religiosas, infraestrutura básica, escolas, universidades, ginásios esportivos, aeroporto para pouso de avião, serviços permanente de energia elétrica, unidades sanitárias ( hospitais, postos de saúde), água encanada em todos os domicílios, ou pelo menos torneiras públicas, estação telefônica intermunicipal, agencias de correios, bancárias, portos fluviais. 

Ao Estudar o sítio e a posição destes núcleos, verifica-se que nele não se encontram as atividades de relação que caracterizam as cidades. “É, entretanto comum na Amazônia encontramos tais tipo de aglomerados, cuja população se dedica, em sua grande maioria, ao extrativismo e mesmo a agricultura, ficarem ligados a centros maiores. (BATISTA, 2007, 113). O povo em geral não tem condições econômicas para custear o fornecimento de água, luz e telefone, nem viajar de avião. 

A falta desses serviços ou a sua precarização, como no caso, unidades de saúdes sem profissionais médicos especializados, ou em número suficiente para o atendimento da população, assistentes sociais, psicólogos, fisioterapeutas. Ou seja, assistência médica muito restrita, a educação deixa muito a desejar, mercado municipal e feira de produtos alimentares, precárias e em péssimo funcionamento, por isso a população envida esforços para migrar para as capitais. Mas um passo importante foi dado em algumas cidades do interior, foi a “criação de campi universitários, a partir do Projeto Rondon, com cursos intensivos de licenciatura, do nível superior, em municípios de Tefé, Parintins, Benjamin Constant Humaitá, no Estado do Amazonas”. (BATISTA, 2007, p, 113).

Segundo Djalma Batista a situação das populações das cidades se acham quase todas disseminadas a margem dos rios, é de verdadeira estagnação.  Djalma Batista aponta como solução para melhorar tal situação a criação de infraestrutura para melhorar a vida e o desenvolvimento das populações.  Portanto, a Segunda Amazônia – seriam as cidades mais desenvolvidas e com maior contato com a capital.

A Terceira Amazônia
A Terceira Amazônia – classifico assim a grande área onde vivem os extrativistas, agricultores, agricultores, pescadores e garimpeiros, isto é, os trabalhadores rurais em geral e suas numerosas famílias (moradores das vilas, povoados, aldeias, freguesias, sítios, fazendas, seringais, castanhais), que constituem, ainda, a grande maioria da Amazônia. Seus líderes são os donos das terras e dos negócios, e sua voz, ouvida nas reivindicações da região, não representam o povo e sim os interesses de uma classe dominante. (Batista, 2007, p. 114-115).

É certas que essas figuras humanas que sobressaem na Amazônia rural são, as mais das vezes, senhores de grande inteligência e sagacidade, com poder de domínio sobre os seus subordinados e os pioneiros tiveram papel proeminente na epopeia da conquista e do desbravamento. A diferença entre eles e os rurícolas, em geral, residia sempre nisso: os proprietários puderam sair e mandar os filhos para as escolas nas capitais, e estes raramente voltaram ao interior. Passaram, portanto, para a Primeira Amazônia. (Batista, 2007, p. 115).

Restou no Interior uma massa imensa, em completa desagregação social, vivendo em condições sub-humana, embrutecida e aviltada: ´pária entre os párias, solitários, obstinado e cego´ (Edison Carneiro), são os habitantes das vilas, povoados, ´freguesias´, aldeias, sítios, fazendas, seringais, castanhais, pontos de comércio e ´colocações´. Essas ´colocações´ são uma criação típica da Amazônia: locais, tanto na terra firme com a beira dos rios, ou nos flutuantes construídos às suas margens (especialmente nas embocaduras, para o estabelecimento de um negócio de pequena monta), onde o homem faz suas habitações rústicas, abrigando mulher e filhos, e tem o seu ponto de apoio para atividades extrativistas. ´Freguesias´ também é outro conceito amazônico, registrado por Eduardo Galvão (1954) representando o ´conjunto de seringueiros ou roceiros que trabalham para o mesmo patrão, cujas barracas ou tapiris ocupam determinada área ou situação. (Batista, 2007, p. 115).

Em geral, a vida continua primitiva, modesta, baseada na agricultura de subsistência, colheita dos produtos naturais, habitações rústicas, que na maioria das vezes, servem de apoio para as atividades extrativistas. As populações da Terceira Amazônia, “os moradores do interior residem a distâncias que ás vezes se contam por horas, de canoa ou motor, para os vizinhos mais próximos. Poucos moram fora das margens dos rios, sendo continuamente na enchente, perseguida pela subida das águas e na vazante tem cortadas, nos altos rios, as, limitadas comunicações” (BATISTA, 2007, p. 115-116), especialmente a falta da água para consumo. 

Segundo Batista (2007, p. 117) uma das soluções de melhoria nas condições de vida da população “está na educação, como uma das soluções apontadas para melhorar o desenvolvimento das populações do interior para elevar o nível cultural e dar-lhes novos horizontes, melhorando as condições de trabalho e novas perspectivas de vida. E ainda, “criar novas condições econômicas, reduzindo o extrativismo a um mínimo suportável pela natureza, sem que está se desgaste do modo avançado a que estamos assistindo” (p.90).

Referência:
BATISTA, Djalma. O Complexo da Amazônia: analise do processo de desenvolvimento. – 2ª ed. Manaus: Editora Valer, Edua e Inpa, 2007.