“Perdendo o mundo”: o declínio dos EUA em perspectiva
O
declínio dos Estados Unidos entrou, há algum tempo, em uma nova fase: a do
declínio autoinfligido. Desde os anos 70 tem havido mudanças significativas na
economia dos EUA, à medida que estrategistas, estatais e do setor privado,
passaram a conduzi-la para a financeirização e à exportação de plantas
industriais. Essas decisões deram início ao círculo vicioso no qual a riqueza e
o poder político se tornaram altamente concentrados, os salários dos
trabalhadores ficaram estagnados, a carga de trabalho aumentou e o
endividamento das famílias também. O artigo é de Noam Chomsky.
Noam
Ch
osmky - Al Jazeera
Data: 17/02/2012
Aniversários significativos são comemorados solenemente
– o do ataque japonês à base da Marinha norteamericana de Pearl Harbor, por
exemplo. Outros são ignorados, e podemos sempre aprender importantes lições que
eles nos dão de como é possível seguir mentindo adiante. Na verdade, agora.
No momento, estamos errando em não comemorar o 50°
aniversário da decisão do presidente John F Kennedy de promover a mais
assassina e destrutiva agressão do período pós-Segunda Guerra: a invasão do
Vietnã do Sul, e depois de toda a Indochina, deixando milhões de mortos e
quatro países devastados, com perdas ainda crescentes causadas pela exposição
do país aos carcinogênicos mais letais de que se tem conhecimento, que
comprometeram a cobertura vegetal e a produção de alimentos.
O primeiro alvo foi o Vietnã do Sul. A agressão depois
se espalhou para o Norte, e então para a sociedade remota do nordeste do Laos,
até finalmente chegar ao rural Camboja, que foi bombardeado de tal maneira que
chegou ao nível impressionante de ser alvo de todas as operações aéreas aliadas
da região do Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial, incluindo as duas
bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki. Aí, as ordens de Henri Kissinger
estavam sendo obedecidas – “qualquer coisa que voe ou se mova”; uma rara
convocação para o genocídio na história.
Pouco disso tudo é lembrado. A maior parte desses
massacres é escassamente conhecida para além dos estreitos círculos de
ativistas.
Quando a invasão teve início, há cinquenta anos, a preocupação era tão pouca que havia poucos esforços de justificação; dificilmente iam além do impassível apelo do presidente de que “estamos nos opondo, ao redor do mundo, a uma conspiração monolítica e brutal que opera principalmente em meios disfarçados de expansão de sua esfera de influência” e se a conspiração consegue realizar seus objetivos no Laos e no Vietnã, “os portões estarão amplamente abertos".
Quando a invasão teve início, há cinquenta anos, a preocupação era tão pouca que havia poucos esforços de justificação; dificilmente iam além do impassível apelo do presidente de que “estamos nos opondo, ao redor do mundo, a uma conspiração monolítica e brutal que opera principalmente em meios disfarçados de expansão de sua esfera de influência” e se a conspiração consegue realizar seus objetivos no Laos e no Vietnã, “os portões estarão amplamente abertos".
Em outro lugar, ele alertou em seguida que “as
sociedades leves, complacentes e autoindulgentes estavam para ser varridas para
os escombros da história [e] só a força... pode sobreviver”, neste caso
refletindo a respeito do fracasso da agressão e do terror estadunidenses em
esmagar a independência cubana.
Quando os protestos começaram a crescer, meia dúzia de anos depois, o respeitado historiador militar e especialista em Vietnã Bernard Fall, nenhum pacifista, previu que “o Vietnã como uma entidade histórica e cultural...está ameaçada de extinção...[enquanto]...a sua área rural literalmente morre sob as explosões da maior máquina militar jamais em operação numa área deste tamanho”. Ele estava, mais uma vez, referindo-se ao Vietnã do Sul.
Quando os protestos começaram a crescer, meia dúzia de anos depois, o respeitado historiador militar e especialista em Vietnã Bernard Fall, nenhum pacifista, previu que “o Vietnã como uma entidade histórica e cultural...está ameaçada de extinção...[enquanto]...a sua área rural literalmente morre sob as explosões da maior máquina militar jamais em operação numa área deste tamanho”. Ele estava, mais uma vez, referindo-se ao Vietnã do Sul.
Quando a guerra acabou oito horrendos anos depois, a
opinião dominante estava dividida entre aqueles que a descreviam como uma
“causa nobre” que poderia ter sido vencida com mais dedicação e o extremo
oposto, os críticos, para quem se tratou de “um erro” que se provou altamente
custoso. Por volta de 1977, o Presidente Carter chamou pouca atenção quando
explicou que “não havia dívida” nossa com o Vietnã porque “a destruição foi
mútua”.
Há lições importantes em tudo isso para hoje, mesmo
deixando de lado os fracos e derrotados que são chamados para responder por
seus crimes. Uma lição é que para entender o que está acontecendo devemos
buscar não apenas criticar os acontecimentos no mundo real, frequentemente
dispensados pela história, mas também aquilo em que os líderes e a opinião da
elite acreditam, mesmo que com tintas de fantasia. Uma outra lição é que, ao
lado dos frutos da imaginação fabricados para aterrorizar e mobilizar o público
(e talvez acreditados por aqueles enganados pela própria retórica), há também
planejamento geoestratégico baseado em princípios que são racionais e estáveis
em longos períodos, porque estão enraizados em instituições estáveis e na
agenda destas. Isso também é verdade no caso do Vietnã. Eu voltarei a isso, só
destacando aqui que os elementos persistentes na ação estatal são geralmente
bastante opacos.
A guerra do Iraque é um caso instrutivo. Ela foi vendida
para um público aterrorizado com as ameaças usuais da autodefesa contra uma
formidável ameaça à sobrevivência: a “única questão” que George W. Bush e Tony
Blair declararam foi se Saddam Hussein iria encerrar o seu programa de
desenvolvimento de armas de destruição em massa. Quando a única questão recebeu
a resposta errada, a retórica do governo mudou rapidamente para o nosso “anseio
por democracia”, e a opinião pública educada seguiu devidamente o curso; o de
sempre.
Mais tarde, à medida que a escalada da derrota no Iraque
se tornou difícil de esconder, o governo quietamente concedeu o que estava
claro para todo mundo. Em 2007-2008, a administração anunciou oficialmente que
um acordo final deve assegurar a permanência de bases militares dos EUA e o direito
de operações de combate, no país, e deve privilegiar os investidores
estadunidenses na exploração de seu rico sistema energético – demandas que mais
tarde foram relutantemente abandonadas diante da resistência iraquiana. E tudo
ficou bastante escondido da maioria das pessoas.
Padronizando o declínio americano
Com essas lições em mente é útil dar uma olhada ao que é
destacado na manchete dos maiores jornais de política e opinião, hoje. Peguemos
a mais prestigiada das publicações do establishment, Foreign Affairs. A manchete estrondosa
da capa de dezembro de 2011 estampava em negrito: “A América acabou?”.
O artigo da capa pedia “corte de gastos” nas “missões humanitárias” no exterior, que estavam consumindo a riqueza do país, para impedir o declínio americano, que é o maior tema nos discursos do ambiente de negócios, que frequentemente vem acompanhado do corolário de que o poder está mudando para o Leste, para a China e (talvez) a Índia.
O artigo da capa pedia “corte de gastos” nas “missões humanitárias” no exterior, que estavam consumindo a riqueza do país, para impedir o declínio americano, que é o maior tema nos discursos do ambiente de negócios, que frequentemente vem acompanhado do corolário de que o poder está mudando para o Leste, para a China e (talvez) a Índia.
Agora os principais artigos são a respeito de Israel e
Palestina. O primeiro, de autoria de dois altos oficiais israelenses, é
intitulado “O Problema é a Rejeição
Palestina”: o conflito não pode ser resolvido porque os
palestinos se recusam a reconhecer Israel como Estado Judeu – então em
conformidade com a prática diplomática padrão: estados são reconhecidos, mas
não seus setores privilegiados. A demanda é dificilmente outra coisa que um
novo dispositivo para deter a ameaça de solução política para os assentamentos
ilegais que minaria os objetivos expansionistas israelenses.
A posição oposta é defendida por um professor
estadunidense tem o título “O Problema é a Ocupação”. No subtítulo se lê: “Como
a Ocupação está Destruindo a Nação”. Qual nação? A de Israel é claro. Ambos os
artigos aparecem com o título, em cache: “Israel sitiado”.
A edição de janeiro de 2012 lança ainda um outro chamamento para o
bombardeio do Irã, agora, antes que seja tarde
demais. Alertando contra “os perigos da dissuasão”, o autor sugere que “céticos
com relação à ação militar falham em avaliar o verdadeiro perigo que um Irã com
armas nucleares imporia aos interesses dos EUA no Oriente Médio e além. E em
suas previsões sombrias imaginam que a cura pode ser pior do que a doença –
quer dizer, que as consequências de um ataque estadunidense ao Irã seriam tão
ruins ou piores do que se o país conseguisse levar a cabo suas ambições
nucleares. Mas essa é uma suposição falsa. A verdade é que um ataque militar
visando a destruir o programa nuclear iraniano, se for feito com cuidado,
poderia significar para a região e para o mundo uma ameaça muito real e
melhorar dramaticamente a segurança nacional dos Estados Unidos no longo
prazo”.
Outros argumentam que os custos seriam altos demais e no
limite alguns chegam a dizer que um ataque [ao Irã] violaria o direito
internacional – como o fazem os moderados, que regularmente lançam ameaças de
violência, em violação à Carta das Nações Unidas.
Vamos rever cada uma dessas preocupações dominantes
O declínio americano é real, embora a visão apocalíptica
reflita a percepção bastante familiar da classe dominante de que algum controle
menor ou total implica o desastre total. A despeito desses lamentos piedosos,
os EUA persevera como poder dominante mundial por larga margem, e não há
competidores à vista, não apenas em dimensões militares, a respeito das quais
os EUA reina supremo.
A China e a Índia registraram crescimento rápido (embora
altamente desigual), mas permanecem países muito pobres, com problemas internos
enormes não enfrentados pelo Ocidente. A China é o maior centro industrial do
mundo, mas majoritariamente como uma linha de montagem para as potências
industriais avançadas, em sua periferia, e para as multinacionais ocidentais. É
provável que isso mude com o tempo. A indústria em regra provê as bases para a
inovação e a invenção, como vem ocorrendo às vezes, na China. Um exemplo que
impressionou os especialistas ocidentais foi a tomada chinesa da liderança no
mercado crescente de painéis solares, não apenas com base na mão de obra
barata, mas no planejamento coordenado e, crescentemente, na inovação.
Mas os problemas que a China enfrenta são sérios. Alguns são demográficos, reportados na Science, o líder dos semanários estadunidenses de divulgação científica. O estudo mostra que a mortalidade caiu bruscamente na China durante os anos maoístas, “principalmente um resultado do desenvolvimento econômico e das melhorias nos serviços educacionais e de saúde, especialmente ao movimento de higiene pública que resultou num golpe drástico à mortalidade por doenças infecciosas”. Esse progresso acabou com o início das reformas capitalistas no país, há 30 anos, e a taxa de mortalidade desde então tem aumentado.
Mas os problemas que a China enfrenta são sérios. Alguns são demográficos, reportados na Science, o líder dos semanários estadunidenses de divulgação científica. O estudo mostra que a mortalidade caiu bruscamente na China durante os anos maoístas, “principalmente um resultado do desenvolvimento econômico e das melhorias nos serviços educacionais e de saúde, especialmente ao movimento de higiene pública que resultou num golpe drástico à mortalidade por doenças infecciosas”. Esse progresso acabou com o início das reformas capitalistas no país, há 30 anos, e a taxa de mortalidade desde então tem aumentado.
Além disso, o crescimento econômico chinês recente
contou substancialmente com um “bônus demográfico”, uma grande população em
idade economicamente ativa. “Mas a janela para o uso desse bônus pode fechar
logo”, com um “impacto profundo no desenvolvimento”: “o excesso de mão de obra
barata, que é um dos maiores fatores de condução do milagre econômico chinês
não estará mais disponível”. A demografia é apenas um dos muitos problemas
sérios pela frente. No que concerne a Índia, os problemas são ainda mais
graves.
Nem todas as vozes proeminentes anteveem o declínio
americano. Na mídia internacional, não há nada mais sério e respeitável que o Financial
Times. O jornal recentemente dedicou uma página inteira às expectativas
otimistas de que nova tecnologia para extrair combustível fóssil norteamericano
pode fazer com que os EUA se torne energeticamente independente, mantendo
portanto sua hegemonia por um século. Não há menção ao tipo de mundo que os EUA
comandará nesse acontecimento feliz, mas não por falta de evidência.
Quase ao mesmo tempo, a Agência Internacional de
Energia reportou que, com o aumento rápido das
emissões de carbono dos combustíveis fósseis, o limite de uso seguro será
atingido por volta de 2017, se o mundo continuar no atual curso. “A porta está
fechando”, disse o economista-chefe da AIE, e em muito breve “fechará de vez”.
Pouco antes, o Departamento de Energia dos EUA informou
que as imagens mais recentes das emissões de dióxido de carbono, com “a
elevação para o maior índice já registrado”, chegaram num nível mais elevado do
que os piores cenários antecipados pelo Painel Internacional de Mudanças
Climáticas (IPCC). Isso não é surpresa para muitos cientistas, inclusive os do
programa do MIT para mudança climática, que por anos alertou que os
prognósticos do IPCC eram conservadores demais.
Esses críticos das previsões do IPCC receberam
virtualmente atenção pública nenhuma, ao contrário dos grupos denegadores do
aquecimento global, que são apoiados pelo setor corporativo, juntamente a
imensas campanhas de propaganda que tem levado os americanos para fora do
espectro internacional dessas ameaças. O apoio das corporações também se traduz
diretamente no poder político. A denegação é parte do catecismo que deve ser
entoado pelos candidatos republicanos na ridícula campanha eleitoral em curso,
e no Congresso eles são poderosos o suficiente para abortar até investigações
sobre o efeito do aquecimento global, deixando de lado qualquer ação séria a
respeito. Numa palavra, o declínio americano pode talvez ser interditado se
abandonarmos a esperança pela sobrevivência decente, prognóstico também
bastante real, dado o equilíbrio de forças no mundo.
“Perdendo” a China e o Vietnã
Deixando de lado essas coisas desagradáveis, um olhar de
perto para o declínio americano mostra que a China na verdade joga um grande
papel nele, tanto como o jogava há 60 anos. O declínio que agora gera tanta
preocupação não é um fenômeno recente. Ele remonta ao fim da Segunda Guerra
Mundial, quando os EUA tinha metade da riqueza do mundo e dispunha de níveis
globais de segurança incomparáveis. Os estrategistas políticos estavam
naturalmente bastante conscientes dessa enorme disparidade de poder e
pretendiam mante-la assim.
O ponto de vista básico foi apresentado com admirável
franqueza num grande documento de 1948. O
autor era um dos arquitetos da Nova Ordem Mundial da época, o representante da
equipe de Planejamento Político do Departamento de Estado dos EUA, o respeitado
estadista e acadêmico George Kennan, um pacifista moderado, dentre os
estrategistas. Ele observou que o objetivo político central era manter a
“posição de disparidade” que separava a nossa enorme riqueza da pobreza dos
outros. Para alcançar esse objetivo, advertiu, “nós deveríamos para de falar de
objetivos vagos e... irreais, como direitos humanos, a elevação do padrão de
vida e a democratização”, e devemos “lidar com conceitos estritos de poder”,
não “limitados por slogans idealistas” a respeito de “altruísmo e o benefício
do mundo”.
Kennan estava se referindo especificamente à Ásia, mas
as observações dele se generalizam, com exceções, aos participantes do atual
sistema de dominação global dos EUA. Ficou bastante claro que os “slogans
idealistas” deveriam ser apresentados sobretudo quando dirigidos aos outros,
inclusive às classes intelectualizadas, das quais se esperava que os disseminassem.
O plano de Kennan ajudou a formular e a implementar a tomada de controle dos EUA do Hemisfério Oeste, do Extremo Leste e das regiões do ex-império britânico (incluindo os incomparáveis recursos energéticos do Oriente Médio), e o quanto foi possível da Eurásia, sobretudo seus centros comerciais e industriais. Esses não eram objetivos irreais, dada a distribuição do poder. Mas o declínio foi então definido de vez.
O plano de Kennan ajudou a formular e a implementar a tomada de controle dos EUA do Hemisfério Oeste, do Extremo Leste e das regiões do ex-império britânico (incluindo os incomparáveis recursos energéticos do Oriente Médio), e o quanto foi possível da Eurásia, sobretudo seus centros comerciais e industriais. Esses não eram objetivos irreais, dada a distribuição do poder. Mas o declínio foi então definido de vez.
Em 1949, a China declarou independência, um evento
conhecido no discurso do Ocidente como “a perda da China” – nos EUA, com
algumas recriminações amarguradas e o conflito interpretativo a respeito de
quem tinha sido o responsável por essa perda. A terminologia é reveladora. Só é
possível perder o que em algum momento se teve. A assunção tácita era que os
EUA tinham a China, por direito, juntamente à maior parte do resto do mundo,
tanto como os estrategistas do pós-guerra pensavam.
A “perda da China” foi o primeiro grande passo do
“declínio americano”. Foi o que teve grandes consequências políticas. Uma delas
foi a decisão imediata de apoiar o esforço francês de reconquista da sua
ex-colônia da Indochina, para que esta também não fosse “perdida”.
A Indochina mesma não era motivo de preocupação maior, a
despeito das afirmações de suas riquezas naturais por parte do presidente
Eisenhower e outros. A preocupação maior era antes com a “teoria do efeito
dominó”, a qual é frequentemente ridicularizada quando os dominós não caem, mas
permanece um princípio regulador da política, porque é bastante racional. Para
adotar a versão Henri Kissinger dele, uma localidade que cai fora do controle
pode se tornar um “vírus” que irá “contagiar”, induzindo outros a seguirem o
mesmo caminho.
No caso do Vietnã, a preocupação era que esse vírus do desenvolvimento independente pudesse infectar a Indonésia, que de fato é rica em recursos. E isso pode levar o Japão – o “superdominó”, como o proeminente historiador da Ásia John Dower chamava – a “acomodar” uma Ásia independente como seu centro tecnológico e industrial num sistema que escaparia do alcance do poder dos EUA. Isso significaria, com efeito, que o EUA tinha perdido a fase Pacífico da Segunda Guerra, na qual lutou para tentar impedir que o Japão estabelecesse uma Nova Ordem na Ásia.
No caso do Vietnã, a preocupação era que esse vírus do desenvolvimento independente pudesse infectar a Indonésia, que de fato é rica em recursos. E isso pode levar o Japão – o “superdominó”, como o proeminente historiador da Ásia John Dower chamava – a “acomodar” uma Ásia independente como seu centro tecnológico e industrial num sistema que escaparia do alcance do poder dos EUA. Isso significaria, com efeito, que o EUA tinha perdido a fase Pacífico da Segunda Guerra, na qual lutou para tentar impedir que o Japão estabelecesse uma Nova Ordem na Ásia.
O modo de lidar com um problema desse é claro: destruir
o vírus e “inocular” aqueles que podem ser infectados. No caso do Vietnã, a
escolha racional era destruir qualquer esperança de desenvolvimento
independente bem sucedido e impor ditaduras brutais nos arredores. Essas
tarefas foram levadas a cabo com sucesso – embora a história tenha sua própria
astúcia, e algo similar ao que foi temido desde então tenha se desenvolvido no
Leste da Ásia, a maior parte para consternação de Washington.
A vitória mais importante das guerras da Indochina
deu-se em 1965, quando um golpe de estado militar, com o apoio dos EUA,
liderado pelo general Suharto significou crimes massivos comparados pela CIA
aos de Hitler, Stalin e Mao. A “assombrosa matança massiva”, como descreveu o
New York Times, foi acuradamente reportada nos meios dominantes, e com euforia
desenfreada.
Foi um “brilho de luz na Ásia”, como observou o
comentarista liberal James Reston, no Times. O golpe encerrou as ameaças à
demoracia ao demolir o partido político de massas, dos pobres, estabelecendo
uma ditadura que registrou as piores violações aos direitos humanos no mundo, e
deixou as riquezas do país abertas aos investidores ocidentais. Poucos
questionaram que depois de tantos horrores, inclusive a quase genocida invasão do Timor Leste, Suharto ter sido bem recebido
pela administração Clinton, em 1995, como “nosso
tipo de cara”.
Anos após os grandes eventos de 1965, o Conselheiro para
Assuntos de Segurança Nacional de Kennedy e Johnson, McGeorge Bundy refleteria
que teria sido sensato acabar com a guerra do Vietnã a tempo, com o “vírus”
virtualmente destruído e, o principal, o dominó solidamente no lugar, no esteio
de outras ditaduras apoiadas pelos EUA pela região.
Procedimentos similares são rotineiramente seguidos em
outros lugares. Kisssinger estava se referindo especificamente à ameaça da
democracia socialista no Chile. Essa ameaça acabou em outra data esquecida, que
os latino-americanos chamam de “O Primeiro 11 de Setembro”, que
em violência e efeitos nefastos excedeu em muito o 11 de Setembro comemorado no
Ocidente. Uma ditadura viciosa foi imposta ao Chile, como uma parte da praga de
repressão brutal que se espalhou pela América Latina, chegando até a América
Central, nos anos Reagan.
Esse vírus tem gerado preocupações profundas aqui e ali,
inclusive no Oriente Médio, onde a ameaça de um nacionalismo secular tem
consternado os estrategistas britânicos e estadunidenses, induzindo-os a apoiar
o fundamentalismo islâmico a opor-se a isso.
A concentração da riqueza e o declínio americano
Mesmo com essas vitórias, o declínio americano
continuou. Por volta de 1970, a parte da riqueza do mundo dos EUA saltou para
25%, basicamente onde está hoje, concentração ainda colossal, mas bastante
inferior àquela de fins da Segunda Guerra. Nessa época, o mundo industrial era
“tripolar”: a base norte americana, dos EUA, a europeia, da Alemanha, e a do
Leste da Ásia, já a região industrial mais dinâmica, naquele tempo com base no
Japão, mas hoje incluindo as ex-colônias japonesas de Taiwan e o Sul da Coreia,
e mais recentemente a China.
Nesse período o declínio americano entrou numa nova
fase: a do declínio autoinfligido. Desde os anos 70 tem havido mudanças
significativas na economia dos EUA, à medida que estrategistas, estatais e do
setor privado, passaram a conduzi-la para a financeirização e à exportação de
plantas industriais, levada a cabo em parte pelo declínio da taxa de lucro na
indústria doméstica. Essas decisões deram início ao círculo vicioso no qual a
riqueza se tornou altamente concentrada (dramaticamente nos 0,1% da população),
levou à concentração de poder político, e então a uma legislação que o levou
adiante, no que concerne à tributação e outras políticas fiscais, à
desregulação, às mudança nas regras da administração corporativa - o que
permitiu imensos ganhos para os executivos - e por aí vai.
Enquanto isso, para a maioria, os salários reais foram
majoritariamente estagnados e ao povo só restou aumentar a carga de trabalho
(muito além da europeia), a dívida insustentável e as repetidas bolhas, desde
os anos Reagan; criando riquezas de papel que desapareceram inevitavelmente
quando a bolha estourou (e os perpretadores foram resgatados pelos
contribuintes). Em paralelo a isso, o sistema político foi cada vez mais
fragmentado, enquanto ambos os partidos mergulharam cada vez mais nos bolsos
das corporações, com a escalada do custo das eleições (os republicanos ao nível
do absurdo e os democratas – agora majoritariamente os “ex-republicanos
moderados” – não ficaram muito atrás).
Um estudo recente do Instituto de Política Econômica,
que tem sido a maior fonte de dados respeitáveis sobre o desenvolvimento,
intitula-se Failure by Design [no contexto, algo como Fracasso por
Ecomenda]. A frase “by design” é acurada. Outras escolhas eram certamente
possíveis. E como mostra o estudo, o “fracasso” tem um corte de classe. Não há
fracasso para os “designers”. Longe disso. Antes, as políticas
fracassaram para a imensa maioria, os 99% na imagem dos movimentos Occupy – e
para o país, que tem declinado e irá continuar a fazê-lo, sob essas políticas.
Um fator que o explica é a transferência das plantas
industriais. Como ilustra o exemplo do painel solar, mencionado acima, a
industrialização tem a capacidade de promover as bases e o estímulo para a
inovação, levando a estágios mais avançados de sofisticação na produção, no
design e na invenção. Isso, também, está sendo terceirizado, o que não é um
problema para os “mandarins do dinheiro”, que cada vez mais mandam na política,
mas é um sério problema para o povo trabalhador e as classes médias, e um
desastre real para os mais oprimidos, os afroamericanos, que nunca escaparam do
legado da escravidão e de sua mais feia consequência, cuja magra riqueza
desapareceu virtualmente depois do colapso da
bolha imobiliária, em 2008, originando a mais recente crise financeira, a pior
até agora.
(*) Noam Chomsky é professor emérito do Departamento de
Linguística e Filosofia do MIT. É o maior linguista do mundo e um dos mais,
senão o mais rigoroso e consequente anarquista vivo.
Tradução: Katarina Peixoto
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