terça-feira, 29 de abril de 2014

João Horta Neto: "O aumento das notas não significa uma melhora na aprendizagem"



Pesquisador do Inep fala sobre os problemas de reduzir o currículo aos conteúdos cobrados nas avaliações em larga escala e treinar os alunos para as provas
Beatriz Santomauro

João Luiz Horta Neto, pesquisador da Diretoria de Avaliação da Educação Básica do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e doutorando em Política Social na Universidade de Brasília (UnB), está preocupado com uma situação que tem sido recorrente: os professores estão "treinando" os alunos para que tenham melhor desempenho nas avaliações externas.

O tema foi tratado na
edição de março da NOVA ESCOLA, que chega esta semana às bancas com um artigo sobre os impactos da redução dos currículos escolares aos conteúdos cobrados nas avaliações em larga escala.

Nesta entrevista, Horta discute o tema e apresenta dados de estudos que tem realizado sobre como são elaborados os exames nacionais e a forma como as informações são apresentados à sociedade.

Qual deve ser o papel das avaliações externas?

JOÃO HORTA NETO A avaliação externa tem o papel de verificar o que está acontecendo com a escola e com seus alunos, isso deve ser motivo de preocupação da sociedade. Os exames, no entanto, têm sido superestimados: uma única prova, aplicada em um momento específico do ano não consegue dar conta de todo um processo de aprendizagem. Por isso, conclusões definitivas e abrangentes com base nela não são válidas.

Existe alguma rede que tenha usado as avaliações para aperfeiçoar seu currículo?
HORTA Em muitas redes existe o discurso de que o processo está ocorrendo de modo integrado - que envolve currículo, formação de professores, avaliação, material didático etc. Mas, na prática, o que ocorre são casos como o de São Paulo, em que se determina que os professores de 1º a 3º anos tenham como foco a Matemática e a Língua Portuguesa, deixando as demais disciplinas de fora ou com pouco tempo de aula. Concordo que essa criança está em processo de alfabetização, mas o ensino deve estar ligado às coisas que acontecem no mundo. Outro exemplo é o de Minas Gerais, que exige que se coloque o resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) na porta das escolas.

É comum a ideia de que, se o aluno aprende Matemática e Língua Portuguesa  está apto a aprender sozinho os demais conteúdos. Como o senhor avalia isso?
HORTA Não basta saber Matemática ou Língua para se aprender outras coisas. A criança não avança só porque tem curiosidade e o "aprender a aprender" não se faz sozinho. Não é porque a criança se dá bem com a parafernália tecnológica que saber discernir quais informações são corretas sem orientação, por exemplo.

Essa redução de currículo se ampara em alguma teoria pedagógica? Como ela se justifica?
HORTA Não há justificativa. Todas as teorias pedagógicas indicam o contrário. Para que o aluno consiga compreender o mundo a partir de seus olhos e ser independente, o ensino tem de ser amplo, fornecer uma série de informações e ferramentas. Como querer que, sem isso, o aluno viva em um mundo globalizado?

"A formação inicial dos professores não tem sido satisfatória e torna o profissional apto apenas para lecionar Matemática e Língua. Por isso, é melhor as outras áreas saírem do currículo". O que o senhor diria dessa afirmação?
HORTA A afirmação é falsa. Para ensinar todas as disciplinas adequadamente é preciso lançar mão de uma série de conhecimentos, não basta só dominar as duas áreas. O problema da má preparação dos professores é dos cursos de formação, e no Brasil está claramente definido que o responsável por eles é o governo federal. Em vez de ele atuar diretamente sobre a qualidade dos cursos, põe foco nos indicadores educacionais, mobilizando estados e municípios a melhorar. Assim nunca é possível resolver o problema.

É bem possível que as redes que estão reduzindo o currículo apresentem melhora na avaliações e sirvam de modelo para as demais. Como lidar com isso?
HORTA O aumento das notas nas avaliações não significa uma melhora na aprendizagem. Existem diversos mecanismos que estão fazendo as notas aumentarem. Estou finalizando uma pesquisa sobre como as escolas estão lidando com as avaliações. Os resultados mostram que estão sendo aplicados inúmeros simulados para preparar os alunos para o teste. Uma das escolas relatou fazer um a cada quinze dias com as crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental!

Existe uma questão técnica que pouca gente discute: a matriz da Prova Brasil, principalmente em Matemática, é muito estreita. Fica fácil "treinar" o aluno, já que determinadas habilidades só podem ser trabalhadas de uma ou duas formas. Depois de entrar em contato com elas, o aluno começa a entender como se comportar com determinado tipo de prova. O resultado, por consequência, sobe.

Outra coisa: os resultados dos anos iniciais do Ensino Fundamental têm subido mais do que os dos anos finais e do Ensino Médio. Uma hipótese é que o professor polivalente tem dedicado mais tempo para preparar seus alunos para o teste em comparação com aquelas turmas dos anos finais, que não têm tanta flexibilidade de tempo para se prepararem para o teste. A busca por melhorar as notas estimula os gestores a procurarem soluções alternativas. Até determinado ponto, essa estratégia faz as notas subirem, mas ela não se sustenta porque não está ligada à aprendizagem. Estamos chegando perto desse patamar. E, se algo for mudado no teste, todo esse sistema será desestruturado.
Nos anos finais do Ensino Fundamental também existe essa redução de currículo?
HORTA Sim, mas ela é mais evidente nos anos iniciais, quando a organização do horário é feita por um só professor.
A repercussão dessa redução de currículo está sendo menor do que deveria? Mal se ouve falar nela. Por que isso ocorre? Existe um pacto de conivência entre os professores e a secretaria?
HORTA Existe repercussão, mas também existe uma série de políticas articuladas que faz com que seja difícil mudar o cenário: a melhoria do desempenho dos alunos nas avaliações é ligada ao aumento salarial, por exemplo. E as pessoas ficam de mãos atadas. Também existe uma forte mensagem que tem sido vinculada nos últimos anos mostrando que esse é o melhor e único caminho, os docentes acabam acreditando nela e se conformando. Virar o jogo é difícil. Nos Estados Unidos, por exemplo, depois de mais de 30 anos de políticas em torno das avaliações, começam a aparecer movimentos ainda tímidos contra essa maré.
http://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/aumento-notas-avaliacoes-nao-significa-melhora-aprendizagem-diz-joao-horta-neto-736330.shtml

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