Golpe Militar Socióloga amazonense destaca que não
há Brasil sem Amazônia
Marlene Corrêa da Silva Freitas faz um inventário
das estratégias do regime militar para integrar a região Amazônica ao Brasil
02 de
Abril de 2014
IVÂNIA
VIEIRA
“A Amazônia foi uma das regiões do País mais
impactadas pelo regime militar, mais impactadas pela organização dos projetos
militares e mais impactadas quando do processo de reafirmação dos militares
diante da opinião pública nacional, por vários motivos. Em primeiro lugar, os
militares assumem a tese recorrente na tecnocracia regional a respeito de que o
Governo Federal e a sociedade nacional estavam de costas viradas para a
Amazônia, o que até certo ponto acontece até hoje”.
“Mas ao assumir esse discurso que era veiculado por
Arthur Cezar Reis (primeiro governador do Amazonas na ditadura, substitui
Plínio Ramos Coelho, cassado), debatido por Samuel Benchimol (empresário, um
dos proprietários do grupo Bemol, pesquisador, escritor e professor da Ufam,
falecido em 2002), os intelectuais de Belém também centravam muito nesse
discurso, o regime militar prepara uma estratégia de anexação da Amazônia ao
Brasil, estratégia essa que passava por um processo de desenvolvimento
articulado com o capital internacional, por um processo de capitalização da
terra fazendo girar a superpopulação relativa brasileira, aquela que não cabia
no campo e vinha para a cidade ou se deslocava para os grandes projetos de
colonização, assumindo a construção da ligação em cima de uma tese de que a
Amazônia precisava estar acoplada ao Brasil pelos grandes projetos”.
Grandes projetos
É nesse contexto que vem a história da Transamazônica,
depois a reedição na articulação Norte, de todo o Norte com a América Latina,
criando para cada pedaço da Amazônia uma identidade marcada pelo regime: o
Amazonas com a Zona Franca; o Acre com o Polo Madeireiro e Florestal; Rondônia,
com os projetos de colonização; Roraima, com o garimpo; e o Pará, com o Polo
Mineiro-Metalúrgico que alimentaria a plataforma daquela época chamada
tri-lateral. A nossa parte competiria fornecer energia para o Japão, o que
inclusive o pessoal do Pará discute até hoje sobre a criação e a permanência
desse arranjo”.
“Essa foi uma dimensão na qual o regime militar fez
a consolidação da imagem pública do próprio regime para o Brasil à custa da
Amazônia. Tem outra dimensão a ser pensada, o fato de o regime militar ao integrar
a Amazônia adquirir a credibilidade de ter tirado a Amazônia do atraso; de ter
favorecido a integração da Amazônia ao Brasil; de ter criado as universidades
federais em cada área. Então, estamos diante de uma estratégia de grande porte,
e que de algum modo aumentou inclusive a credibilidade nacional junto aos
bancos internacionais, ao capital agrário internacional, ao capital financeiro
internacional atraindo para cá um conjunto de medidas entre as quais as
estratégias sobre as quais falei anteriormente e que passavam pela anexação
física, a integração cultural e a tese do desenvolvimento regional”.
Região como berço de grandes projetos
“Desse processo vivido nesses 50 anos, a Amazônia
sai com uma marca, inclusive um conceito para nós – a Amazônia dos grandes
projetos. O que significou essa Amazônia berço dos grandes projetos, das
grandes intervenções do Estado sobre a sociedade? Não se diz dos grandes dramas
que essa intervenção causou. O projeto Calha Norte (cujas ações começaram a ser
implementadas em 1985) é uma extensão dos grandes projetos; as novas agências
de desenvolvimento regional, como o Polo Industrial de Manaus e a Suframa, além
de um grande projeto, gerou outras extensões porque essa radiação da economia
de enclave tem, hoje, forte impacto em toda a Amazônia Ocidental não só no
Amazonas. Saímos de uma sociedade civil onde a impossibilidade democrática foi
maior do que em outros lugares. Estamos diante de um impacto de longo prazo,
uma marca de uma sociedade civil que conciliou militarismo com populismo e que
gerou a elite que atualmente temos”.
Índios foram as maiores vítimas
Para os povos da Amazônia, afirma a pesquisadora
Marilene Corrêa da Silva Freitas, o golpe e o governo militar foram
catastróficos. “Aqui me lembro do livro do prof. Octavio Ianni - ‘Ditadura e
Agricultura’ - embora o nome seja agricultura, ele implica em vários recortes
que impactam sobre o posseiro, o caboclo, o caipira e, especialmente, o
indígena. Os índios foram os grupos sociais, as nações e os povos onde esse processo
de intervenção militar gerou impacto maior porque desorganizou a terra,
desarticulou a cultura; porque trouxe a fronteira nacional para a proximidade
das fronteiras interétnicas e culturais, sobrepôs um desejo da integração das
ditaduras latino-americanas sobre todos os povos da América Latina, sobre as
minorias étnicas do Peru, das nações e dos povos da Bolívia, do Equador. Ou
seja, havia uma articulação militar que ultrapassava as fronteiras nacionais da
Amazônia e esse impacto atingiu sobretudo as áreas da tríplice fronteira onde a
maioria da presença era de grupos não contatados que tinham uma identidade
muito marcada sob o ponto de vista da sua cultura. Esses povos foram os mais
atingidos, pelas estradas, pelos projetos de colonização. Foram colocados face
a face com os empreiteiros, com os fazendeiros, com os garimpeiros e aqui se
está falando de frentes econômicas articuladas pelo regime de exceção com seus
aliados. Houve uma ação combinada da economia e do militarismo na fronteira da
Amazônia e os indígenas sofreram porque foram integrados compulsoriamente a
essa dinâmica de exceção que era transnacional”.
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