Golpe Militar e suas marcas da ditadura na Amazônia
Para o cientista social e professor titular da
Universidade Federal do Amazonas, Renan Freitas Pinto, a região foi reinventada
com o golpe
01 de
Abril de 2014
IVÂNIA
VIEIRA
“Precisamos ter o compromisso de fazer uma
diferença: existem aspectos resultantes desse acontecimento político chamado
golpe militar que tem o lado militar de fato, mas há um componente muito mais
complexo que é civil também. Banqueiros, empresários, setores importantes da
sociedade brasileira se alinharam em torno da ideia de uma modernização
conservadora ou modernização autoritária. Em relação à Amazônia, a região foi
mais uma vez reinventada. Passamos a viver aqui aspectos que ainda não tínhamos
experimentado. Com a instalação da Zona Franca de Manaus (ZFM) que foi um dos
produtos desse novo modelo político autoritário, criou-se um polo industrial, o
Distrito Industrial de Manaus, e, por meio dele, a formação de uma nova classe
trabalhadora com um tipo de inserção inclusive e principalmente de pessoas de
origem rural atraídas pelas vantagens oferecidas pelo comércio de Manaus, pelos
serviços e pela oportunidade de ganhar dinheiro, de ter emprego e renda”.
Migração
“Tem um aspecto importante nesse processo sobre o
qual ainda precisamos pensar e agir: a migração para Manaus. A cidade sofre uma
explosão demográfica; os movimentos populacionais que se dirigem para a
Amazônia são muito mais intensos do que para qualquer outra região do País.
Essa nova migração para a região se transforma dentro do modelo implantado na
última fronteira e na grande fronteira econômica, política e geopolítica de
investimentos, na introdução desenfreada da propriedade privada, do capitalismo
na sua forma talvez mais brutal que aconteceu aqui (na Amazônia). Uma ação que
implicou no desmantelamento e em um grave comprometimento das sociedades
indígenas porque suas terras foram apropriadas de forma intensa. Não vivemos
mais o período caracterizado como o do golpe militar e da longa ditadura, mas
os efeitos desse modelo permanecem nas suas linhas mais fortes”.
“Do ponto de vista da sociedade, tomemos como
parâmetro a universidade. Houve um crescimento, porque fazia parte desse modelo
político-militar o interesse em uma nova forma de lidar com a educação e com a
pesquisa. O CNPq (criado em 1949, e que passou a funcionar em 1951) ganha nova
função. As políticas relacionadas à pesquisa tiveram grande estímulo com
grandes volumes de recursos financeiros que antes da ditadura não existiam.
Tudo isso para administrar e controlar o processo de produção do conhecimento.
O objetivo era orientar a pesquisa e desenvolver um novo tipo de relação da
ciência com o poder”.
“Na contramão desse movimento, na Manaus da Zona
Franca e do Distrito Industrial, pouca coisa foi feita em termo de pesquisa
voltada para o DI. Isso porque os modelos das indústrias que vinham para cá já
eram consolidados nos países de origem das empresas. Aqui funcionavam como
plataforma de montagem com uma pequena inserção de um trabalho local ou
nacional. A pesquisa no Brasil se voltou fundamentalmente para a agricultura”.
Turismo: um fracasso
“O que ficou da experiência desse projeto
autoritário para o turismo na Amazônia e no Amazonas? Acho que não existe
nenhum esforço sério. Você quer levar um amigo que vem à cidade para um passeio
de uma hora para ver o rio, um bom museu, ao restaurante, ao cinema. O que faz?
Quais as opções que você tem? O que há de interessante do Amazonas para ser
mostrado aos que visitam Manaus? Investir responsavelmente nessa área já seria
uma alternativa a esse modelo industrial. Escolas de música, de teatro, de
cinema seriam atração turística porque estariam equipadas com todas as
facilidades de uma cidade moderna, atendimento hospitalar e transporte público
condizentes que são condições que o turista exige para ir a qualquer lugar. O
turismo cultural na Amazônia é uma possibilidade que não está sendo levada a
sério. Na Espanha, praticamente metade da renda vem dessa atividade. Por que a
Amazônia, que tem tantas possibilidades, também não é imaginada por esse
caminho? É uma das saídas, mas existem outras que não estão no extrativismo,
como a alta tecnologia. Criar nas cidades do interior a capacidade para aquele
jovem desenvolver tecnologia de ponta, como fizeram os Estados Unidos com o
Vale do Silício”.
Os atrasos nas cidades
“O Brasil teve no extremo sul e em outras regiões
situações muito próximas da nossa e hoje você verifica por lá um outro padrão,
inclusive cultural. São cidades dinâmicas. Aqui convivemos com um processo de
estagnação. Não acontece. O que oferecemos, por exemplo, para os jovens de
cidades como Tabatinga, Manicoré, Tefé, Fonte Boa, Coari? Que sociedade o
Estado, o Governo Federal e o Governo Municipal estão oferecendo a esses
jovens? Como se educam, se formam? Quem é que determina essa estagnação?
Falamos sempre de uma política de desenvolvimento. Ora, sabemos que existe na
ciência política e na sociologia estudos sobre a formação e a produção do subdesenvolvimento
que se dá simultaneamente com as tentativas de desenvolver. Djalma Batista, em
‘O Complexo da Amazônia’, trabalhou isso. O esforço dele é para explicar o
porquê do nosso subdesenvolvimento, por que nos falta essa vontade de formar,
efetivamente, um sistema de educação que produza cidadãos, técnicos
profissionais, cientistas, artistas. O projeto autoritário aqui instalado
trabalhou noutra direção, distanciou esse caminho”
http://acritica.uol.com.br/noticias/manaus-amazoanas-amazonia-Golpe_Militar-Marcas-ditadura-militar-vivem-Amazonia-politica-professor-UFAM-Renan_Freitas_Pinto_0_1112288787.html
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