Fundador do Conselho Indigenista
Missionário denuncia massacre dos povos da Amazônia
Para o historiador, professor e
escritor José Ribamar Bessa Freire, o missionário Egydio Schwade e Doroti, a
companheira dele de toda a vida que morreu em 2010 são os 'semeadores de
alternativa para a soberania dos povos da Amazônia'
03 de
Abril de 2014
IVÂNIA
VIEIRA
Filosofo
e teólogo Egydio Schwade é o coordenador do Comitê Estadual do Direito à
Verdade, Memória e Justiça (Clóvis Miranda)
“Em primeiro lugar, quero observar que talvez por
motivo dos traumas sofridos pelas sociedades das regiões Sul, Sudeste e
Nordeste, durante a toda a vigência da ditadura militar; as guerras no
Araguaia, em Caparaó e no Vale do Ribeira; as perseguições; as torturas; as
prisões; e as mortes sumárias, a maioria dos brasileiros tenta ignorar o que
aconteceu no interior da Amazônia e em especial aos povos indígenas dessa
região com o golpe militar e os governos ditatoriais”.
“Mas, na Amazônia, as motivações e os objetivos dos
acontecimentos nesse período que durou mais de duas décadas também foram
diferentes daquelas do Sul, do Sudeste e do Nordeste. Os governantes das elites
da região e do País deram continuidade aos mesmos projetos da ditadura quando
esse ciclo se fecha como se fossem necessários ao País. Não importa os crimes
que essas ações escondem”.
“O que de mais grave ocorreu durante a vigência da
ditadura militar foi o que esta praticou contra os povos da Amazônia. Os
territórios desses povos foram tratados como ‘vazios demográficos’,
distribuídos e titulados a grileiros paulistas ou estrangeiros, frequentemente,
empresários interessados em fraudar o erário por meio de um instrumento criado
pela ditadura: os incentivos fiscais. As aldeias, as comunidades e os seringais
foram simplesmente transferidos aos sulistas e aos seringueiros empurrados para
as periferias das cidades, principalmente para a periferia criada pela e para a
Zona Franca de Manaus, sem direito à indenização alguma. Aldeias e povos
indígenas foram agredidos e mortos, algumas vezes, quase até a sua total
extinção”.
Herança cruel
“Temos uma triste e cruel herança deixada para os
amazônidas pela ditadura. As pessoas nascidas e criadas na região ou arraigadas
nela perderam o seu território imemorial com toda a economia indígena
preservada ou acumulada ao longo de milênios. Perderam a cultura e perderam a
cultura e a sua autodeterminação”.
“O que ficou? Entre outras experiências amargas
ficou o modelo, implantado pelos militares e adotado pelas elites governantes
até os dias atuais: A Zona Franca de Manaus (ZFM) que criou as condições para o
êxito do processo de desapropriação das terras interioranas, que viraram
mercadoria de grileiros nacionais e estrangeiros; as rodovias incompletas que
devastaram as terras indígenas, dilapidando o seu patrimônio; as hidrelétricas
grandes, médias e pequenas com resultados pífios como é o histórico de Balbina (obra
iniciada em 1981); os projetos de exploração dos minerais; e a própria
construção das grandes concentrações urbanas para por completar esse ciclo
depredador”.
“Essa ação combinada fez com que, na Amazônia,
florestas, solo e subsolo fossem transformados em mercadoria para as elites
governantes e para os seus asseclas. Nem os rios foram poupados. Para construir
Manaus, os governantes não se importaram que os rios amazônicos fossem
arrasados até o fundo dos seus leitos pela exploração do seixo. Só pararam
quando já quase todos os rios da região estavam sem condições de abrigar o seu
manancial de peixes”.
“Essa antieconomia, construída sobre a milenar
economia índia, continua seguindo pelo incentivo ao agronegócio, à mineração, à
construção de hidrelétricas com todo o apoio dos governantes federais,
estaduais e municipais. Essa antieconomia está mantida, arruína a
biodiversidade que vigorava na região e era uma das suas riquezas”.
“Não falo de crimes que não foram denunciados.
Todos esses aqui citados foram amplamente denunciados desde a década em que
aconteceu o golpe militar. Cito aqui alguns documentos que trataram dessas
questões: ‘Uma Igreja em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização Social’,
documento da Prelazia de São Felix do Araguaia, datado de 1968; O número
especial da Revista CEAS, do Centro de Estudos e Ação Social, da Bahia, de
1973; ‘I Yuca-Pirama: O índio aquele que deve morrer’, do Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), de dezembro de 1973. E cito ainda as denúncias e as
remessas de documentos quase mensais feitas pelo Cimi a partir de 1973”.
“Discutir esses projetos que ai estão e que foram
colocados com sendo a redenção da Amazônia é uma necessidade urgente para que o
massacre na região não continue, para que possamos inaugurar um tempo novo a
partir das experiências dos povos amazônicos. Precisamos fazer essa memória,
nos situar na história e continuar a luta, e as universidades têm muito a fazer
nesse campo para cumprir com a outra parte de suas responsabilidades
institucionais”.
Desaparecidos políticos
Para Egydio Schwade, os waimiri-atroari são
desaparecidos políticos tanto quando são os desaparecidos no Araguaia. Com base
em vários documentos, e em todas as oportunidades que tem de se expressar,
Egydio afirma que 2 mil índios da etnia waimiri-atroari foram mortos e/ou
despareceram no período compreendido entre 1964 e 1985.
A luta agora é para que em nível nacional haja
reconhecimento desse fato pela Comissão Nacional da Verdade, pela Justiça
brasileira. Essa é uma das reivindicações feitas no manifesto “Ditadura Nunca
Mais: 50 anos do golpe militar”, aprovado no dia 28 de março, durante a
realização do seminário “A Amazônia e o Golpe Militar – 50 anos depois”,
realizado pelo Ministério Publico Federal (MPF) e o Comitê Verdade, Memória e
Justiça do Amazonas, com apoio da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
O manifesto, que será encaminhado à Comissão
Nacional da Verdade, pede: a responsabilização dos mandantes e executores dos
crimes cometidos pelos militares e agentes públicos do Estado brasileiro contra
os indígenas; imediato cumprimento da decisão da Corte Interamericana de
Direitos Humanos no “Caso Araguaia” e reinterpretação da Lei da Anistia;
localização e identificação dos corpos dos desaparecidos políticos e
esclarecimentos das circunstâncias e dos responsáveis pelas mortes;
identificação e punição dos torturadores, estupradores, assassinos, mandantes,
financiadores e ocultadores de cadáveres; desmilitarização das polícias e
rompimento do ciclo de violência perpetuado pelas corporações.
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