Botos
podem desaparecer em até dez anos no AM, alerta pesquisadora
Estudo diz que 10% da população
de boto vermelho some a cada ano no AM.
Captura de animal para pesca de piracatinga preocupa especialistas.
Camila Henriques Do G1 AM
Existente apenas na Amazônia, o boto vermelho pode
se tornar somente personagem do folclore regional em um futuro não tão
distante. É o que afirma a pesquisadora e bolsista do Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (Inpa), Nívia do Carmo. Em entrevista ao G1, ela
apresentou uma estimativa que preocupa: caso a matança nas comunidades
ribeirinhas continue em ritmo acelerado, o animal pode ser extinto em até dez
anos.
Segundo a pesquisadora, atualmente existem mais de
dez mil botos vermelhos no Amazonas. No entanto, esse número tem diminuído. Na
região do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, localizado em Tefé
(a 523 km de distância de Manaus), por
exemplo, é registrado o desaparecimento de aproximadamente 1.350 exemplares por
ano - o que representa 10% da população de botos vermelhos na região. “É muito,
porque ele é um animal que demora a chegar na sua vida sexualmente ativa. A
fêmea tem a sua primeira relação sexual depois de sete anos. Ela fica grávida
por sete meses, cuida do filhote por cinco anos - dois deles, amamentando. É
muito tempo de cuidado parental para uma matança tão rápida”, alertou.
Espécies de boto existentes na Amazônia:
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-
Tucuxi (sotalia fluvialis): segundo a pesquisadora, esse tipo de boto (de cor
acizentada) fica localizado no canal do rio. "Ele não chega a se aproximar
dos barcos. Por isso, os pescadores até acham que essa espécie é mais 'amiga'
que o vermelho", explicou.
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- Boto
vermelho: "É bom lembrar que o boto é vermelho, e não cor-de-rosa, como
muitas pessoas acreditam. Essa denominação errada surgiu de músicas e também
do (pesquisador francês) Jacques Costeau. Mas a verdade é que ele é
acinzentado - como o Tucuxi - e ganha essa cor vermelha quando 'bate o sol'
no Alto Rio Negro", desmistificou a pesquisadora.
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E o que ocasiona esse desaparecimento precoce da
espécie? De acordo com Nívia, a pesca da piracatinga é o principal fator. Com o
intuito de capturar (e depois comercializar) o peixe, pescadores utilizam o
boto vermelho como isca. “Essa matança está sendo muito mais forte aqui no Amazonas. Aqui, os pescadores fecham o
boto em uma rede ou o atingem com um arpão. Essa pescaria é feita em apenas
duas horas. Nesse período, eles conseguem pegar até uma tonelada do
piracatinga”, afirmou.
"Gaiola” para captura de peixe
Durante o processo, o boto é cortado em partes e colocado em uma espécie de gaiola de madeira construída pelos pescadores. Conhecida como ‘urubu d´água’ por se alimentar de carne estragada, a piracatinga é atraída pelos pedaços do boto.
“Com esse método, o ribeirinho tira o boto como
‘competidor’ pela carne dos animais do rio. Além disso, ele não tem que se
preocupar em comprar o gelo para conservar o peixe. Existem frigoríficos-barcos
que financiam essa pesca e fornecem o gelo para o pescador em troca da
mercadoria”, explicou Nívia, acrescentando que a pesca é legal, mas a
utilização do boto - um animal protegido por lei e ameaçado de extinção - deve
ser discutida. “Se continuar do jeito que está, em pouco tempo ele some. Ele
pode desaparecer em dez anos. É pouquíssimo tempo”, acrescentou.
Boto
vermelho é um dos símbolos da Amazônia
Efeitos na natureza
A extinção de um animal como o boto não causaria efeitos apenas no folclore amazônico, que ficaria sem um de seus maiores símbolos. Por ser um animal de topo de cadeia, o boto vermelho consegue retirar os peixes doentes dos rios. “É uma presa que não dá prejuízo a ele. O boto controla a população dos peixes no rio de maneira que continue nivelada”, ressaltou.
A extinção de um animal como o boto não causaria efeitos apenas no folclore amazônico, que ficaria sem um de seus maiores símbolos. Por ser um animal de topo de cadeia, o boto vermelho consegue retirar os peixes doentes dos rios. “É uma presa que não dá prejuízo a ele. O boto controla a população dos peixes no rio de maneira que continue nivelada”, ressaltou.
Desaparecimento
do boto vermelho pode causar desequilíbrio no ecossistema, alerta pesquisadora
Sem os botos, os rios podem sofrer com uma
‘superpopulação’ de peixes - muitos deles, doentes. A pesquisadora informou
ainda que o desaparecimento do animal pode prejudicar aos próprios cursos
d´água. “A extinção dele implicaria no sumiço do predador maior e aí outros
podem tomar o seu lugar, como o jacaré. Mesmo assim, vai ocorrer um
desequilíbrio do sistema, principalmente com a abundância de peixes doentes”,
previu.
Para alertar os pescadores, os pesquisadores contam
histórias que ilustram os riscos do desaparecimento do animal. “O ribeirinho
nem come esse peixe, mas ele precisa de dinheiro para seu sustento. Como a
pesca da piracatinga é rápida, ele lucra mesmo ela estando com um preço baixo.
Agora estamos indo para a cheia, então o preço deve sair de R$ 0,50 para R$
1,00”, exemplificou. “Não queremos que ele deixe de pescar a piracatinga, mas
estamos buscando soluções que não envolvam a pesca com a carne de boto”,
acrescentou.
Precaução
Uma das medidas já tomadas foi a suspensão da venda da piracatinga - também comercializada com outros nomes, como douradinha, piratinga e pirosca -, pelo Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM).
Uma das medidas já tomadas foi a suspensão da venda da piracatinga - também comercializada com outros nomes, como douradinha, piratinga e pirosca -, pelo Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM).
Conhecida
como 'urubu d´água', a piracatinga também é comercializada com outros nomes, como douradinha, piracatinga e pirosca
Em decisão divulgada em fevereiro deste ano, o
órgão recomendou a 12 supermercados de Manaus o fim da comercialização do
peixe, até que existam evidências suficientes sobre riscos para a saúde do
consumidor. “Foi dada essa moratória de seis meses pelo MPF. Ainda assim,
queremos que essa decisão se extenda para pelo menos dois anos. Não sabemos
nada ainda sobre a biologia da piracatinga. Com esse número tão grande de
peixes retirados do rio, pode ser também que a piracatinga também suma. Isso já
aconteceu na Colômbia, por exemplo”, encerrou a
pesquisadora.
http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2014/04/botos-podem-desaparecer-em-ate-dez-anos-no-am-alerta-pesquisadora.html
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