domingo, 13 de abril de 2014

Golpe Militar na Amazônia: Livros no saco verde e, na Zona franca de Manaus, os vice-rei’



Golpe Militar na Amazônia: Livros no saco verde e, na Zona franca de Manaus, os vice-rei’
O que ocorreu na Amazônia durante a vigência da ditadura militar? Quais os efeitos das ações do regime na construção do destino dos povos da região? Meio século pós-golpe militar, A CRÍTICA ouviu militantes de movimentos sociais, pesquisadores e políticos sobre tais questionamentos. Os depoimentos que a partir de hoje passam a ser publicados compõem a série “O Golpe Militar na Amazônia”
Manaus (AM), 31 de Março de 2014
IVÂNIA VIEIRA

Plínio Coelho governou o Amazonas de 1955 a 1959, e de 1963 a 1964 (Reprodução/Internet)
Em abril de 1964, o jornalista e professor-doutor da Universidade Federal do Amazonas, Walmir de Albuquerque Barbosa, tinha 15 anos de idade. Era vice-presidente do grêmio estudantil do Centro Educacional Christus do Amazonas e voluntário na organização do acervo da biblioteca da escola. O que viu acontecer naquele centro educacional quando adolescente é fio primeiro de memória do ex-reitor e hoje professor dos programas de pós-graduação Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA) e de Ciências da Comunicação (PPGCC) da Ufam. A seguir trechos do depoimento:

“Por conta de uma iniciação política muito cedo, aos 15 anos, eu tinha discernimento e algum conhecimento para perceber que algo muito ruim estava acontecendo no Brasil, no mundo e em Manaus naquela ocasião. O Christus à época era uma instituição de vanguarda no ensino, tinha professores como Carlos Eduardo, Luiz Carlos Ruas (o Padre Ruas), Onias Bento, Orígenes Martins, e outras pessoas ligadas ao movimento da escola nova na Amazônia. Jovens professores e intelectuais vieram para cá com a ideia de fazer uma educação diferente. Então, o Christus, entre o final dos anos de 1959 e início de 1960 foi matriz de um pensamento educacional novo. Como representante do Grêmio Estudantil eu participava da Uesa (União dos Estudantes Secundaristas do Amazonas). O meu primeiro choque no dia seguinte ao golpe foi encontrar o colégio fechado e um monte de sacos de lona verde do lado de fora com todos os livros da nossa biblioteca. Logo depois chegou um carro do Exército e levou nossos livros. Aquilo para mim foi um choque. Por que o professor Carlos Eduardo foi detido, o Orígenes também. E o Ruas, nosso professor de educação artística e de francês, que ficou preso acho que mais de 30 dias? Dava para entender que não era coisa boa”.

“Eu me lembro bem que na calçada, junto com o vizinho, ficamos escutando em um rádio de pilha o discurso no Congresso Nacional do Castelo Branco (marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro presidente do governo militar), tomando posse da Presidência da República. Vi Garrastazu Medici (general de Exército Emílio Garrastazu Médici, governou o Brasil de outubro de 1969 a 15 de março de 1974, período conhecido como “anos de chumbo”, desfilar nas ruas de Manaus. Fui ver o que acontecia na Assembléia Legislativa e pessoas que eu conhecia, nomes importantes da política local eram cassados. Assisti o discurso do Plínio Coelho (Plínio Ramos Coelho, governou o Amazonas de março de 1955 a março de 1959, e de março de 1963 a junho de 1964) se despedindo no Festival Folclórico. Ele era um excelente orador e fez o famoso discurso da Praça General Osório (integra atualmente a estrutura do Colégio Militar de Manaus). Na abertura do festival, um avião fazia sobrevoo no local e trazia o general Bizarria Mamede que foi quem prendeu o governador do Estado. Plínio Coelho saiu preso do estádio para o quartel do GEF (Grupamento de Elementos de Fronteira) que funciona onde é o Colégio Militar (criado em 1971 e que passou a funcionar em 1972, tendo como um dos idealizadores e primeiro comandante o coronel Jorge Teixeira de Oliveira, também prefeito biônico de Manaus, no período de 1973 a 1979)”.

“Deixo o Christus e passo a acompanhar esse movimento como trabalhador. Faço vestibular em 1969 e entro na primeira turma de Jornalismo, em 1970, no auge da ditadura. Vou trabalhar como jornalista no Jornal do Comércio, a convite do nosso professor de curso Dimas Filho. No próprio jornal, encontro o censor, que era o  Paraguassu (jornalista Paraguassu  de Oliveira) também funcionário do jornal da rede Diários Associados, e censor de todos os jornais de Manaus. Então, tínhamos o privilégio de ser colega do censor, mas ele era mais censor que colega”.

Os meios de comunicação e a censura
“O que está colocado nesse cenário é uma estrutura de censura para os meios de comunicação do País e da região como uma coisa prevalente. Quando os jornalistas são proibidos de entrar no Inpa pelo Mário Machado (Mário Machado de Lemos, médico alagoano que dirigiu o Ministério da Saúde de junho de 1972 até março de 1974), que saiu do Inpa e era uma pessoa de renome na ciência e na área médica, o que vimos foi um interventor dentro do Inpa. Só ele podia falar sobre o instituto, todos os demais cientistas estavam proibidos. Ao mesmo tempo em que a censura se instalava no Amazonas, havia um certo regozijo de uma parte dos que trabalhavam na imprensa por conta do reconhecimento da profissão de jornalista. Essa é uma das coisas que a ditadura fez, não sei se para agradar e controlar, beijar e bater. Ao mesmo tempo saem de cena as pessoas que eram indesejáveis ao sistema. É a montagem do novo modelo: o jornalista que era um profissional liberal passa a ser um trabalhador da imprensa”.

AI5 escancara o regime
“A chegada do Ato Institucional nº 5 (AI-5) era a ditadura escancarada que colocava por terra qualquer pretensão de resistência ao sistema que se mostrava forte. A partir do AI-5 começa a nascer, para nós, uma política voltada à Amazônia. Passamos a viver uma espécie de ‘os eleitos para o noivado’. A Amazônia volta à cena porque temos um governador de Estado que é uma pessoa esclarecida, Artur Reis (Arthur Cezar Ferreira Reis substitui Plínio Coelho e governou o amazonas de 29 de junho de 1964 a 31 de janeiro de 1967). Um homem de estatura intelectual proeminente no Brasil, foi presidente do Conselho Nacional de Cultura, adido militar do Brasil na Europa, professor catedrático de história da Amazônia na PUC. Enfim, uma pessoa muito importante que vem para Manaus como amigo do Castelo Branco, e  um homem que faz o jogo da direita ao mesmo tempo cria algumas instituições que estão aí até hoje, como o Conselho de Cultura, reedita as obras importantes sobre a Amazônia que estavam perdidas”.

Ufam é implantada
“Começa a discussão da implantação da Universidade do Amazonas, hoje, Ufam (que não foi criada e sim por um projeto de autoria do então senador Arthur Virgílio Filho, pai do atual prefeito de Manaus), mas a sua implementação já se dá dentro dessa ótica. A universidade seria criada como uma autarquia, uma fundação que era outra característica do novo regime. Nasce a universidade, mas como um modelo novo de universidade que foi pensado pelo professor Darcy Ribeiro para a universidade de Brasília e deturpado pela ditadura, depois ajustado às ideias da reforma universitária que chega em 1969. As instituições universitárias foram criadas por Plínio Coelho e Gilberto Mestrinho (governador do Amazonas por três vezes, o primeiro mandato foi de 1959 a 1963 e teve o mandato cassado pelo Ato Institucional nº1)”.

Transferências
“Não foi difícil com a criação da universidade, o governador transferir as faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, e a Faculdade de Ciências Econômicas que eram estaduais para formar a Universidade do Amazonas. Junto com a de Direito, que era federalizada, e o Serviço Social, que era particular e o proprietário, o professor André Araújo, coloca à disposição, passando todo o patrimônio, professores e estudantes, para a universidade”.

Seguindo os militares
“As universidades acompanhavam os militares. Estão ligadas à expansão dos contingentes militares no Brasil. Assim foi no Sul que chegou a ter sete universidades federais na fronteira para atender as necessidades das populações locais e dos profissionais militares em deslocamento”.
“Essa mudança de política trazia para a Amazônia o fortalecimento. Ninguém esqueça que Arthur Reis, o primeiro governador da ditadura (responsável pela instalação da Comissão Estadual de Investigação) escreveu a ‘A Amazônia e a Cobiça Internacional’  e era uma pessoa formuladora  de uma ideia de ameaça constante à Amazônia. Essa mudança é uma etapa preparatória para a política pública da ditadura reservada à região por meio do ‘integrar para não entregar’. É nesse contexto que são feitas as transferências dos contingentes militares para a Amazônia, o Batalhão de Selva com quase cem anos que se transforma em Comando Militar da Amazônia (CMA), Comando Naval, Comando Aéreo Regional. Na universidade, o reitor Joary Marinho negocia a criação do curso de Medicina que daria status de universidade. Mas, a política  nacional cartorial dos médicos e dos advogados que tem certa prevalência para autorizar os cursos no País não admitia o curso no Amazonas e Marinho tem uma luta incrível e só conseguiu porque era preciso aliviar a válvula de escape nacional com os chamados excedentes. A universidade aceitou receber parte desses excedentes e viu autorizada a criação da Faculdade Medicina. Muitos estudantes vieram para Manaus, e casaram com as filhas das famílias burguesas da cidade, uns foram embora e outros ficaram para se dedicar ao trabalho nessa área”.

http://acritica.uol.com.br/noticias/Golpe-Militar-Amazonia-Livros-ZFM_0_1111688821.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário