Ipaam deve barrar qualquer licença ambiental para cultivo de espécies exóticas em razão de irregularidades em nova lei
Imagem ilustrativa: ©iStockphoto.com
O Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) recomendou ao
Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam) que não
licencie nenhum empreendimento de aquicultura (cultivo de peixes) em
rios do Amazonas, durante a vigência da Lei nº. 4330/2016, sancionada
esta semana pelo governo do Estado. A atuação do MPF visa proteger a
biodiversidade e a manutenção dos estoques pesqueiros na região
amazônica, que podem ser afetados com a introdução de espécies exóticas
não nativas por meio da atividade.
Pela nova lei, a liberação da atividade de criação de peixes
exóticos em rios passa a depender de licenciamento do órgão ambiental
estadual, contrariando a legislação federal em vigor. A norma estadual
prevê ainda a possibilidade de barramento de igarapés e autorização de
empreendimentos em áreas de preservação permanente quando “de interesse
público”, suprimindo várias ressalvas incluídas em minuta anterior do
projeto de lei como a indicação de medidas de redução e compensação de
impactos ambientais, conforme a recomendação.
A Lei Complementar nº. 140/2011 afirma que cabe ao Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) o
papel de controlar a introdução no país de espécies exóticas
potencialmente invasoras que possam ameaçar os ecossistemas, habitats e
espécies nativas e aprovar a liberação de exemplares de espécie exótica
da fauna e da flora em ecossistemas naturais frágeis ou protegidos. O
Ibama possui normatização específica para a atividade (Portaria Ibama
nº. 145/1998), que foi ignorada pela lei estadual contestada.
Na recomendação, o MPF aponta a existência de “vícios de
inconstitucionalidade formal e material” na lei aprovada no Amazonas,
além de atentar contra os Princípios da Precaução e da Vedação do
Retrocesso, previstos na Constituição Federal e em convenções
internacionais de meio ambiente. Para o órgão, ainda que as ilegalidades
atinjam apenas alguns itens da Lei nº. 4330/2016, a afronta à
Constituição deve ser estendida a toda a lei, já que seus itens estão
ligados entre si de forma interdependente e produzem efeitos em conjunto
quando aplicados.
De acordo com o MPF/AM, a competência exclusiva da União para
regulamentar a matéria também é reforçada pela abrangência da Bacia
Amazônica, que percorre nove estados brasileiros e sete países vizinhos,
o que poderia estender os riscos apontados ao âmbito internacional. “A
prática pode causar diversos danos irreparáveis ao meio ambiente dentre
os quais a extinção local de espécies nativas caso haja a liberação,
ainda que não intencional, das espécies exóticas em áreas naturais,
ocasionando competição e desequilíbrio ecossistêmico”, destaca o
procurador da República Rafael da Silva Rocha, que assina o documento.
O Ipaam tem prazo de até dez dias para informar as providências
adotadas em relação ao cumprimento da recomendação. Ainda que a
recomendação não venha a ser acatada, o MPF/AM requisitou cópias de
todas as licenças ambientais eventualmente expedidas para a atividade de
aquicultura no Estado do Amazonas, a partir da data da promulgação da
Lei nº. 4330/2016. Os documentos poderão auxiliar o órgão a processar
eventuais responsáveis pela prática de ilegalidades apontadas na recomendação.
Moção de repúdio – O MPF/AM menciona na
recomendação uma moção de repúdio à lei recebida de representantes de
várias instituições de ensino e pesquisa, e de órgãos de gestão
ambiental como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa),
Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Ibama e Universidade Federal de
Alagoas (Ufal), entre outras.
O documento alerta sobre os graves riscos permanentes que a
atividade de aquicultura com peixes exóticos pode oferecer ao ambiente
onde é desenvolvida, ainda que a manutenção da espécie ocorra em sistema
fechado. Em especial na Amazônia, os especialistas afirmam que a
introdução de espécies não-nativas pode ser responsável pela propagação
de doenças e citam o caso conhecido do Surubim-pintado, espécie em
declínio populacional devido, dentre outros fatores, à soltura/escape de
animais híbridos na natureza e o cruzamento com outras espécies,
causando extinção da espécie nativa.
Em situação semelhante, a moção de repúdio relembra que o
governo brasileiro, por meio do Ministério do Meio Ambiente, emitiu
parecer contrário à proposta de implementação de atividades de
aquicultura na região da fronteira Peru-Brasil. Naquele caso, o
Ministério do Meio Ambiente orientou que “a utilização de espécies
exóticas deveria ser proibida”. Ainda que não haja evidência do
estabelecimento de populações de espécies exóticas de peixes na Amazônia
após eventuais escapes, o órgão sustenta não haver garantia de a
frequência de entrada desses peixes no sistema natural não ameace a
manutenção das populações de peixes nativos.
Outro ponto apontado como “preocupante” no manifesto
encaminhado ao MPF é o retorno de autorização para barramento de
igarapés e outros cursos d'água para aquicultura. Os técnicos e
especialistas que assinam o documento ressaltam que “o Estado do
Amazonas está na maior bacia hidrográfica do mundo com milhares de
espécies de flora e fauna que dependem dos ciclos naturais dos rios,
tanto nos igarapés (rio contínuo) como nas áreas de várzeas (pelo pulso
de inundação) e da conectividade desses sistemas”. Eles relembram ainda
que o Amazonas já proibiu a instalação de barragens em igarapés e “não
há disponibilidade de nenhuma justificativa técnica que embase esta
possibilidade”.
Com informações da Ascom MPF/AM
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