quarta-feira, 18 de junho de 2014

A OBRA DE BRUNO LATOUR: A MODERNIDADE E A MODERNIZAÇÃO NO BRASIL E NA AMAZÔNIA


A OBRA DE BRUNO LATOUR: A MODERNIDADE E A MODERNIZAÇÃO NO BRASIL E NA AMAZÔNIA  
Camilo Torres Sánchez(1). 

INTRODUÇÃO
 
Neste artículo se apresenta a obra do antropólogo Bruno Latour, no que tem a ver com a reflexão sobre o projeto moderno e a modernização do mundo, tomando como exemplo o caso brasileiro e amazônico. Primeiro mostra-se a trajetória pessoal do antropólogo como sujeito. Depois se discute a proposta de Latour sobre a modernização e sua influência no quotidiano dos objetos e sujeitos vivos. Se analisa também, a forma como a comunidade acadêmica do Brasil tem incorporado as propostas de Bruno Latour na suas reflexões sobre a modernidade cultural e a modernização técnica. Também se aprofunda na situação da Amazônia, onde se propõe realizar o mapeamento da rede sociotêcnica da biodiversidade regional, como meio de seguir as pegadas da modernização na região. Finalmente se mostra como as teses de Bruno Latour podem ser utilizadas para estimular a Re-Constituição do mundo da vida, através dos objetos e sujeitos da diversidade, como um caminho possível para sair da crise atual da modernização
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Palavras-chave: Bruno Latour, Modernidade, Modernização, Rede Sociotêcnica, Brasil, Amazônia
 
1. O SUJEITO COMO OBJETO:  BRUNO LATOUR COMO OBJETO DE INDAGAÇÃO   
Bruno Latour nasceu em 1947 em Beaune na Borgonha francesa, no meio de uma família de cultivadores de uvas. Recebeu treinamento na área de filosofia e antropologia. Depois de fazer estudos de campo na África e Califórnia Latour se especializou na análise do trabalho de cientistas e engenheiros.  Além de trabalhos em filosofia, história, sociologia e antropologia da ciência, ele tem ajudado em muitos estudos em políticas da ciência e gestão da pesquisa. Ele escreveu “... Laboratory Life the construction of scientific facts (Princeton University Press), Science in Action, and The Pasteurization of France (both at Harvard University Press)”, os dois primeiros livros já traduzidos ao português.  
                            
2. O QUE DIZ LATOUR SOBRE A MODERNIZAÇÃO DO MUNDO 
 O enfoque de Latour, para a análise da Modernidade e a Modernização baseado na Sociologia das ciências e na Antropologia simétrica, é desenvolvido com a cautela própria dos estudiosos experientes propondo problemas e discutindo possíveis soluções para uma questão central do conflito entre Modernidade e Não Modernidade: Como falar simetricamente de nós [Norte - Ocidente] como dos outros [Sul- Oriente], sem acreditar nem na razão nem na crença, e respeitando ao mesmo tempo os fetiches e os fatos, que nos constituem?  Latour na sua obra afirma que, as rupturas que o processo da modernização crio entre os mundos da vida humana e natural, e suas esferas foram produzidas para “separar” e “manter” quotas de poder de grupos, e que estas esferas e suas práticas de legitimação devem ser olhadas como práticas de manutenção do poder.  
Ele afirma ainda que estas práticas de legitimação da modernização devem refletir-se no trabalho de campo quotidiano. Por exemplo, a existência de alimentos dos Patrícios de uma sociedade, e alimentos da massa da sociedade. Por exemplo a manga Tommy importada do Nordeste e vendida nos supermercados, representa isso com relação à manga Bacuri nativa e vendida nas feiras livres, no estuário amazônico. De esta prática de legitimação fazem parte os “fatiches” que são misturas de fato e fetiche, de mundo não humano e mundo humano. Um fato como a venda de uma fruta de manga num supermercado esta fusionado com um fetiche, que é a marca de uma Cooperativa de produtores colada à fruta, que pretende mostrar uma suposta qualidade de origem da fruta, o que permite cobrar “um preço” maior pela fruta estampado num código de barras. Assim aceitaremos o que Latour diz sobre que “não existe nenhuma realidade sem representação” (p.346) reafirmando a necessidade de reunir os objetos e os sujeitos na descrição da sociedade.   

3. A OBRA DE BRUNO LATOUR E A CRISE DA MODERNIZAÇÃO NO BRASIL
  Como tem sido a recepção da obra de Bruno Latour no Brasil e na posgradução brasileira? A abordagem de Latour serviu para adiantar reflexões de fundo sobre a construção da objetividade nas ciências sociais (Cepeda, 2000), ou sobre o ensino e o fazer da ciência (Vianna,1998). Em segundo termo suas teses tem sido utilizadas para procurar melhora o relacionamento entre os profissionais da saúde e seus pacientes através do afeto, as palavras e de um novo olhar sobre o corpo (Reis,2000) ou no atendimento a crianças e mães nos hospitais públicos (Trojan,1998) e o processo de amamentação (Almeida, 1998); também tem sido usado para justificar o uso de métodos alternativos à medicina alopática, como a musicoterápia (Oliveira,2001), Também as teses de Latour foram usadas na procura de novos tratamentos para enfermidades da alta modernidade como a epidemia de SIDA nos anos de 1982-1998 no Rio de Janeiro (Dos Santos,1999), e ainda foi usado na reflexão antropológica, sobre a construção de uma página de internet tão importante, como a da Previdência Social Brasileira (1996) As analises acima da obra de Latour tem trazido novas perspectivas sobre a musealização da natureza ou a patrimonialização da natureza (Barcelos Evres, 2000).  
Bruno Latour adianta reflexões sobre a relação entre as esferas do Mundo e a ciência básica e a sociedade post-industrial, em acordo com sua própria extração social e histórica na França, um pais inserido por completo nos fluxos da Sociedade da Informação, onde o registro da produção de verdade, justiça e autenticidade é realizado sistematicamente fundamentando a sociedade nacional da qual ele faz parte.  A comunidade acadêmica do Brasil, dada sua situação híbrida e periférica incorpora a obra de Latour em reflexões mistas que a ciência básica e aplicada faz sobre os problemas sociais mais graves; sendo estas atividades as ciências médicas, a engenharia e o ensino. Estes desvios, ainda que necessários, tem impedido atingir o âmago do que a proposta epistêmica de Latour pode trazer para a sociedade brasileira, que é sua reflexão pratica sobre a modernidade e a modernização ocidental e os conflitos que ela causa nas áreas não modernas do mundo, onde ainda existem vários tipos de verdade fundadora e de sociedade. Estas verdades fundadoras trazem importantes questionamentos e problemas à expansão da modernidade principalmente no eixo estratégico da relação entre a sociedade e a natureza.  

4. A CRISE DO PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO NA AMAZONIA:  A REDE SOCIOTECNICA DA BIODIVERSIDADE 
As teses de Latour podem contribuir a iluminar a crise do processo de modernização na Amazônia com o uso da idéia da rede sociotecnica da biodiversidade. Latour (1994 p.7) expõe uma crise derivada da crise geral do processo de modernização, onde as ciências da sociedade e da natureza não conseguem isoladas uma da outra fazer sentido de acontecimentos que ele nomeia como “híbridos”, onde se misturam caoticamente fatos de conhecimento cientifico, ações sociais e interpretações culturais de um ou outro acontecimento. “O mesmo artigo [jornalístico] mistura, assim reações químicas e reações políticas”. O autor propõe um certo tipo de reflexão e interpretação nova que não diga respeito à natureza ou ao conhecimento, às coisas-em-si, mas antes a seu envolvimento com os coletivos e com os sujeitos, as coisas-para-se. Não se fala do pensamento instrumental, mas sim da própria natureza da sociedade (LATOUR, 1994, p.9). Seria necessário neste caso mapear a rede sociotecnica do uso das espécies além das tramas tecidas pelas técnicas e as ciências naturais, por fora do puro pensamento instrumental calculista tão criticado pelos cientistas humanos, e dentro da política e das procuras e criações de significado que a sociedade desenvolve para fazer sentido de sua realidade.  
Segundo o autor os críticos do mundo da vida desenvolveram três repertórios que articulados numa “tripartição crítica” podem orientar as possíveis abordagens dos híbridos e suas redes: a naturalização, a socialização e a desconstrução. A natureza dos fatos seria estabelecida, as estratégias de poder previsíveis e não seriam apenas efeitos de sentido projetando a pobre ilusão de uma natureza e de um locutor. (LATOUR, 1997), contribuindo para a excisão entre mundo da vida humana e mundo da vida natural. Assim seguir a trama destas redes da diversidade da vida humana e natural no estuário amazônico pode ajudar a romper com a excisão que a tripartição crítica crio. Estas redes como o autor afirma são expatriadas e devem voltar a rever sua nacionalidade e naturalidade. Estas redes ou tramas sociotécnicas serviram para seguir as trajetórias das plantas, espécies, mercadorias e produtos no mundo da vida natural e sua passagem para o mundo da vida humana onde estes sujeitos-objectos se relacionaram com as interdições e tabus que a onipotência das idéias humana cria. Devendo se entender o que as leis, o poder, a moral e a comunicação dizem sobre a diversidade do mundo da vida na Amazônia. As instituições criadas para realizar este trabalho devem ser estudadas e os sujeitos que as ocupam indagados para identificar estes conjuntos de práticas.   

5. PARA ALEM DA MODERNIZAÇÃO: A RE-CONSTITUIÇÃO DO MUNDO DA VIDA 
A este processo se lhe dá o nome de Re-constituição da/na Modernidade na Amazônia onde os políticos e cientistas serão indagados simetricamente. No caso das constituições políticas do mundo da vida humana, a tarefa caberia aos juristas somente que eles esqueceram de regular o poder cientifico e o poder dos híbridos que a tradução cria. No caso da natureza ou do mundo da vida natural, a responsabilidade seria dos cientistas somente que eles deixaram de regular o poder político e negaram a eficácia dos híbridos ao mesmo tempo que os criavam e multiplicavam.  Assim descreveremos os ramos do governo do mundo moderno no estuário e suas trajetórias em especial o governo da natureza e das ciências exatas que é aquele que está mais ocultado na atualidade pelos processos de purificação. Devem ser identificadas as “redes simbólicas de domesticidade” que como um “campo humano” atinge a totalidade sem criar uma antinomia entre natureza e humanidade, até o ponto onde o campo humano não pode mais se comunicar com o domínio do natural pela ausência de uma linguagem inter-referencial entre os agentes. Esta constituição apresenta-se como representações cientificas e políticas onde “cabe a ciência a representação dos não humanos, mas lhe é proibida qualquer possibilidade de apelo à política; cabe a política a representação dos cidadãos, mas lhe é proibida qualquer relação com os não-humanos produzidos e mobilizados pela ciência e pela tecnologia” (LATOUR, 1997, p.34).    


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS  
 LATOUR, BRUNO (2001). A Esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos, Bauru, SP: EDUSC.
_______________, Jamais Fomos Modernos: Ensaio de Antropologia Simétrica, Editora 34, Rio de Janeiro, 1994 [1991].
 ________________; WOOLGAR STEVE, A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos, Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997 [1979].   
OLIVEIRA PINTO,  MARLY CHAGAS. "Musicoterapia - Desafios da interdisciplinaridade entre a Modernidade e a Contemporaneidade". 01/12/2001. 1v. 84p. Mestrado. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - PSICOSSOCIOLOGIA DE COMUNID.E ECOLOGIA SOCIAL.    CEPEDA, 
ALEJANDRO HUGO. A conexão racional: ruptura e associação na construção da objetividade das ciências sociais.Niterói - RJ. 01/09/2000. 1v. 161p. Doutorado. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA.  
BARCELOS EVRES, ANA CRISTINA LÉO. A musealização da natureza: patrimônio e memória na museologia. Rio de Janeiro - RJ. 01/03/2000. 1v. 140p. Mestrado. UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO - MEMÓRIA SOCIAL E DOCUMENTO.  
GONÇALVES DOS SANTOS, ANA LUIZA. Uma Construção dos Saberes sobre a Epidemia de AIDS - Os Formulários de Notificação de Casos em Perspectiva (1982-98). Rio de Janeiro - RJ. 01/07/1999. 1v. 104p. Mestrado. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ - SAÚDE PÚBLICA.

1 Doutor em desenvolvimento agricultura e sociedade pela Universidade Federal Rural de Rio de Janeiro CPDA/UFRRJ.
Email: camilotorres@superig.com.br. 2
Esta contribuição foi desenvolvida com o apoio financeiro da CAPES e da FAPERJ.
Resumo apresentado no II Congresso Brasileiro de Agroecologia e originalmente publicado na Rev. Bras. Agroecologia, v.2, n.1, fev. 2007.

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