A CEPAL publicou um documento de primeira
importância, “La Hora de la Igualdad”. Apresenta o resgate da massa dos
excluídos do nosso subcontinente como eixo principal das políticas não apenas
distributivas, mas econômicas e sociais no sentido mais amplo. De certa forma,
a nossa principal herança maldita, a desigualdade, passa a ser vista como
oportunidade de expansão econômica interna, um horizonte positivo de
crescimento, não mais baseado em consumo de luxo de minorias, mas em consumo e
inclusão produtiva de quem precisa. É a dimensão latinoamericana do que o Banco
Mundial chama de população “sem acesso aos benefícios da globalização”, cerca
de 4 bilhões de pessoas no planeta, quase dois terços do total. Numa
terminologia mais prosáica, são os pobres.
O denominador comum da transformação desta década é
a ampliação do consumo de massa. A visão enfrenta fortes resistências, com
todos os preconceitos herdados, mas no conjunto os efeitos multiplicadores
estão se verificando, e o processo foi se ampliando com a geração de
governantes progressistas eleitos na região. A visão de bom senso é de que o
principal desafio, a exclusão econômica e social de mais da metade da
população, pode constituir uma oportunidade, um novo horizonte de expansão no
mercado interno, favorecendo assim não só os pobres, mas o conjunto do aparelho
produtivo. A crescente pressão da base da pirâmide social por melhores
condições de vida, articulada com a determinação dos governos de promover as
mudanças, gerou um círculo virtuoso em que o econômico, o social e o ambiental
encontraram o seu campo comum, e no contexto tão importante de uma governança
democrática.
Os avanços sociais sempre foram apresentados como
custos, que onerariam os setores produtivos. As políticas foram
tradicionalmente baseadas na visão de que a ampliação da competitividade da
empresa passa pela redução dos seus custos. Isto tem duas vertentes. Enquanto a
redução dos custos pela racionalização do uso dos insumos, redução da pegada
ecológica e aproveitamento das novas tecnologias produtivas e organizacionais é
essencial, pelo avanço de produtividade que permite, a redução de custos pelo
lado da mão de obra reduz o mercado consumidor no seu conjunto, e tende a ter o
efeito inverso. Ao reduzir o mercado consumidor, limita a escala de produção, e
mantém a economia na chamada “base estreita”, de produzir pouco, para poucos, e
com preços elevados, que é a tradição latinoamericana. E poupa as empresas mais
atrasadas de investirem na modernização.
A crise financeira mundial deixou as coisas mais
claras. A evolução da América Latina frente à crise se caracteriza pelo fato de
que no momento da eclosão dos problemas nos Estados Unidos, a região já vinha
tomando medidas redistributivas no sentido amplo, ficando assim parcialmente
preparada. No pior da crise, intensificou as medidas, o que facilitou a
transição. No entanto, o problema principal não é a crise de 2008. Por mais
grave que esta seja, o principal é que a América Latina era e continua sendo a
região mais desigual do planeta, com problemas estruturais absolutamente
obscenos em termos de riqueza ostensiva e perdulária frente à miséria do grosso
da população e as correspondentes perdas de produtividade.
Deste ponto de vista, a crise financeira de certa
forma representou uma oportunidade, ao tornar mais evidente a necessidade de
uma ampla base de consumo popular. Apraoveitarm-se assim as políticas
anti-cíclicas características de uma conjuntura determinada, para estabilizar
políticas estruturais, visões de Estado. Paradoxalmente, é graças à crise que
um conjunto de setores fechados a visões progressistas passou a ver de outra
maneira o papel do Estado, as políticas distributivas, as políticas sociais em
geral. Com o colapso dos mercados mundiais, foi importante para uma série de
setores de atividade mais vinculados à exportação poderem se reconverter para o
mercado interno que se expandia apesar da crise. Com o travamento dos créditos
dos bancos comerciais, outros setores viram com bons olhos a existência de bancos
públicos que não só mantiveram como expandiram as linhas de crédito. Uma visão
mais ampla da política econômica se generalizou, abrindo mais espaço para
medidas de longo prazo.
O estudo da Cepal sistematiza de maneira muito útil
este novo enfoque, apontando seis grandes pilares:
1) Una política
macroeconómica para un desarrollo inclusivo: La región puede crecer más y
mejor. No sólo es necesario lograr un mayor dinamismo económico, sino también
mayores niveles de inclusión e igualdad social, menor exposición a los impactos
de la volatilidad externa, más inversión productiva y más generación de empleos
de calidad. El rol de las políticas macroeconómicas es esencial.
2) Convergencia productiva
con igualdad: Las economías latinoamericanas y caribeñas se caracterizan por
una notoria heterogeneidad estructural que explica en gran medida la aguda
desigualdad social de la región. Esta heterogeneidad está dada por las brechas
internas y externas de productividad. Para ayudar a cerrar estas brechas, la
CEPAL propone transformar la estructura productiva a partir de tres ejes de
políticas: el industrial, con énfasis en la innovación; el tecnológico,
centrado en la creación y difusión de conocimiento; y el apoyo a las pequeñas y
medianas empresas (pyme).
3) Convergencia
territorial: El territorio sí importa. Las brechas sociales y de productividad
también tienen su expresión espacial. De allí la urgencia de crear políticas
que aborden la heterogeneidad territorial al interior de los países. En la
corrección de disparidades territoriales las transferencias
intergubernamentales son decisivas, así como los fondos de cohesión
territorial.
4) Más y mejor empleo: El
empleo es la llave maestra para resolver la desigualdad. Para superar las
brechas que se producen en los ingresos, el acceso a la seguridad social y la
estabilidad laboral -además de la discriminación que sufren las mujeres,
minorías étnicas y jóvenes-, la CEPAL propone una hoja de ruta centrada, entre
otros temas, en el impulso de un pacto laboral que genere dinamismo económico y
proteja al trabajador.
5) El cierre de las brechas
sociales: El Estado tiene un rol decisivo en revertir la desigualdad, lo que
implica un aumento sostenido del gasto social, avanzar en la institucionalidad
social y hacia sistemas de transferencias de ingresos para mejorar la
distribución hacia los sectores más vulnerables.
6) El pacto fiscal como
clave en el vínculo entre el Estado y la igualdad: Es necesario dotar al Estado
de mayor capacidad para redistribuir recursos y promover la igualdad. Se trata
de un Estado de bienestar y no de un Estado subsidiario, que avance hacia una
estructura tributaria y un sistema de transferencias que privilegie la
solidaridad social. Con una nueva ecuación Estado-mercado-sociedad se podrá
alcanzar un desarrollo con empleos de calidad, cohesión social y sostenibilidad
ambiental.
A formulação desta visão na América Latina, que
sempre separou, em termos de análise, as políticas econômicas e as políticas
sociais, é sumamente importante. Tanto no Brasil como em outros países, as
políticas distributivas continuam a ser apresentadas pelas oligarquias como
“assistencialismo”, e a fragilidade das políticas de prestação de serviços
sociais como efeito natural da ineficiência do Estado. A dinâmica social como
vetor de promoção das atividades econômicas no seu conjunto, nestas propostas
da Cepal, constitui uma visão de bom senso. O desenvolvimento volta aqui a ser
entendido como processo integrado, e a dimensão econômica se articula com as
dimensões sociais e ambientais.
As políticas sociais passam assim a ser analisadas
não apenas na sua eficiência específica, em termos de melhoria da saúde ou da
promoção das pessoas, por exemplo, mas no seu impacto geral para as atividades
econômicas. A concepção de que “a produção” geraria riqueza, enquanto o social
constituiria gasto, é simplesmente errada. Consolida-se
a visão do social como investimento. Segundo o Relatório, “Los recursos
utilizados en la gestión social, más que gasto son una inversión”:
Em outra dimensão, o investimento social, ao tirar
as pessoas da miséria, e integrá-las na dinâmica econômica mais ampla, permite
ultrapassar gradualmente o eterno dualismo que trava o desenvolvimento da
região: bens pobres para pobres, saúde pobre para pobres e assim por diante. É
o que o relatório da Cepal chama da “hetorogeneidade estrutural” que precisa
ser enfrentada para gerar a “convergência produtiva”.
“Las transferencias
destinadas a la exclusión social y el desempleo, a la vivienda, la familia y
los niños aumentan la eficacia macroeconómica en la medida en que favorecen la
participación de la mujer, la inserción laboral de las personas excluidas y
también el consumo privado. Esto coincide con uno de los principales mensajes
que se ha querido transimitir en este trabajo, a saber, la necesidad de
visualizar el gasto social pro bienestar desde una perspectiva de inversión
social que contribuya a reducir la heterogeneidad estructural y avanzar hacia
la convergencia productiva”. (243)
Neste subcontinente historicamente assolado por
oligarquias retrógradas sustentadas por interesses transnacionais, onde sempre
se promoveu o desenvolvimento excludente, onde a própria modernidade se
apresenta como acesso de minorias a um luxo ostensivo, trata-se realmente de
uma virada histórica. Não pelos resultados, que ainda são extremamente tímidos,
dada a produndidade da desigualdade herdada, mas pela reorientação das
políticas.
Bernardo Kliksberg, que prefacia a obra, também vê
as novas políticas na sua dimensão transformadora mais ampla, envolvendo a
própria ética dos processos econômicos. “En
América Latina, hay hoy una sed de ética. Vastos sectores confluyen en la
necesidad de superar la escisión entre ética y economía que caracterizó a las
últimas décadas. Una economía orientada por la ética no aparece como un simple
sueño, sino como una exigencia histórica para lograr que la paradoja de la
pobreza en medio de la riqueza pueda realmente superarse y construir un
desarrollo pujante, sustentable y equitativo.”
O documento da Cepal pode ser acessado na íntegra,
sem custos, no link http://bit.ly/9Vpwt4 . Uma versão resumido em
portugués, de 50 páginas, pode ser acesssada em http://bit.ly/bqwYAh
Documento síntese com 58 páginas em português: http://bit.ly/bqwYAh Documento
completo em espanhol: http://bit.ly/bA9yrl
http://dowbor.org/2010/11/cepal-la-hora-de-la-igualdad-brechas-por-cerrar-caminos-por-abrir.html/
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