terça-feira, 31 de março de 2015

A Grande Família – Élisée Reclus



A Grande Família – Élisée Reclus
                                                          Josenildo Santos Souza (SOUZA, J.S.)
O homem adora viver no sonho;
o esforço que o pensamento deve exercer
para apreender as realidades parece-lhe demasiado
difícil, e ele tenta escapar dessa luta pelo refúgio
em opiniões já prontas. Se “a dúvida é o travesseiro
do sábio”, a fé simplória é o travesseiro do pobre
de espirito. Houve um tempo em que o poder de um
deus supremo, que sentia em nosso lugar, queria,
agia fora de nós e conduzia a seu bel-prazer o destino
dos homens, bastava-nos amplamente e fazia-nos
aceitar nosso destino fatal com resignação ou,
inclusive, com gratidão. Agora esse deus pessoal,
no qual os humildes tinham confiança, agoniza em
seus templos, e os mortais tiveram der substitui-lo.
Mas eles já não têm Potência Augusta a seu serviço:
só têm palavras ás quais buscam dar,
como uma virtude secreta, um poder mágico:
por exemplo, a palavra “Progresso”.
Sem dúvida, é verdade que, sob muitos aspectos,
o homem progrediu: suas sensações tornaram-se
mais refinadas, creio; seus pensamentos mais agudos
e mais profundos, e a amplitude de sua humanidade,
abraçando um mundo mais vasto, aumentou
prodigiosamente. Mas nenhum progresso
pode realizar-se sem retrocesso parcial.
O ser humano cresce, mas, crescendo, desloca-se,
e, avançando, perde uma parte do terreno
que outrora ocupava. O ideal seria que o homem
civilizado tivesse conservado a força do selvagem,
que ele também tivesse sua habilidade,
que ainda possuísse o belo equilíbrio dos membros,
a saúde natural, a tranquilidade moral,
a simplicidade da vida, a intimidade com os animais
dos campos, o bom acordo com a terra e tudo o que
a povoa. Mas o que outrora foi a regra é agora
a exceção. É-nos provado por inúmeros exemplos
que o homem de enérgica vontade, amplamente
favorecido por seu meio, pode igualar-se
completamente ao selvagem em todas as suas
qualidades primevas, e acrescentando a elas
por sua consciência fortalecida em uma alma superior;
mas quantos são esses que adquiriram sem perder,
que são simultaneamente os iguais do primitivo
em sua floresta ou em seu prado
e os iguais do artista ou do cientista moderno,
nas cidades laboriosas?


RECLUS, Élisée. Do Sentimento da natureza nas sociedades modernas. Organização e tradução Plínio Augusto Coelho. – São Paulo: Expressão & Arte: Editora Imaginário, 2010.

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