Manaus, 01/09/2014 - Assédio Moral no Serviço
Público: descaso na apuração e saúde mental do servidor foi o tema da audiência
pública realizada na quinta-feira (28) na Assembleia do Estado do Amazonas
(Aleam), em Manaus. O evento foi organizado pelo Ofício de Direitos Humanos e
Tutela Coletiva da Defensoria Pública da União (DPU) no Amazonas, que recebeu,
no ano passado, solicitação de apoio da Comissão de Combate ao Assédio Moral na
Universidade Federal no Amazonas (CCAMNAUfam) e abriu um procedimento de
assistência jurídica.
Durante a audiência, servidores e
representantes de órgãos públicos de defesa dos direitos coletivos e
trabalhistas discutiram como identificar e denunciar o assédio moral e como se
organizar para coibir essa prática no serviço público.
“A DPU, dentro do seu ramo de
atribuição, vai combater o assédio moral na medida em que caracteriza desvio de
finalidade do gestor público. Não vamos apontar culpados hoje nessa reunião,
mas queremos dizer o seguinte, todas as pessoas devem discutir abertamente que
o problema existe, esse é o primeiro pressuposto”, esclareceu o defensor
público federal Danilo Moreira durante seu pronunciamento.
Servidores públicos federais,
estaduais e municipais relataram como o assédio moral ocorre em seus órgãos e
como tem afetado sua vida profissional e pessoal. Por meio de seus
representantes, as instituições presentes prestaram informações sobre as ações
que devem ser tomadas diante da identificação do assédio moral.
O propositor da audiência pública
foi o deputado estadual José Ricardo (PT). Estiveram representados Ministério
Público Federal (MPF), Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE), Conselho Regional de Medicina do Amazonas (CRM-AM),
Rede Nacional de Combate ao Assédio Moral no Trabalho (Renacom) e Ufam.
Sigilo
A procuradora regional do
trabalho da 11ª Região, Fabíola Salmito, falou sobre a legitimidade do MPT para
atuar nos casos de assédio moral na entidade privada e, também, na pública. Ela
ressaltou a atuação do MPT em coordenadorias temáticas, dentre as quais a
Coordenadoria de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da
Discriminação no Trabalho (Cordigualdade), que conta com o projeto Assédio é
imoral.
A procuradora do trabalho
parabenizou os servidores presentes pela coragem em denunciar. “Essa é a maior
dificuldade quando a denúncia chega ao MPT. Normalmente o assédio vai ser
configurado com a oitiva de testemunhas e quando se chamam os colegas de vocês
para testemunhar ou os próprios assediados, há certo receio”, explicou Fabíola
Salmito, destacando que os depoimentos viram documentos sigilosos, sem possível
acesso aos dados nem cargos dos depoentes.
“Esse é o melhor caminho, o da
prevenção e da resolução amigável do conflito na busca de uma solução, a fim de
coibir a atual conduta e, também, inibir condutas futuras de pessoas que podem
vir a praticar tal ato”, disse a procuradora do trabalho sobre a iniciativa da
audiência.
Apuração
Durante seu depoimento sobre o
assédio moral sofrido em Campus da Ufam no interior, a servidora Maria Isabel
Heckman, presidente da CCAMNAUfam emocionou-se: “Cartilhas recomendam a
denúncia; ocorre que, quando denunciamos, o assédio moral só se propaga pelo
assediador e ninguém pune, continuamos sendo assediados, sem solução e muitos
de nós adoecemos. Os gestores são firmes em informar que o assédio moral é um
comportamento de difícil apuração, que não possui legislação específica,
caracterizando apenas como um leve desconforto entre as partes, esquivando-se
de apurar a conduta dos assediadores em processos administrativos complexos e
assediosos”.
Sobre as perícias médicas a que
os assediados adoecidos submetem-se, Maria Heckman avaliou: “as respostas
dessas perícias revelam que o resultado ignora o nexo de causalidade, negando
ao adoecido o direito à saúde e à justiça”.
União
De acordo com a procuradora-chefe
substituta da Procuradoria da República, Bruna Menezes, a dificuldade na
apuração do assédio moral existe, mas não a torna impossível: “Todas as formas
de apuração serão utilizadas pelos órgãos aqui unidos, para buscar solução e
resposta”, assegurou Menezes, sublinhando que, além da universidade, outros
órgãos vivenciam o assédio moral.
“Não estamos aqui simplesmente
para apontar vícios sem apurar. Todo o narrado está sob investigação e será
apurado pelo MPF. Conforme os relatos, há uma sensação de insegurança e
impunidade que torna todo o trauma vivido pelos servidores ainda maior, mas não
se sintam assim, não se deixem abater, vocês estão fazendo muito pela
universidade, pelo futuro de muitos além de vocês”, declarou a procuradora da
república.
A representante da comissão de
apoio aos assediados das secretarias de educação, Manuela Medeiros, relatou que
professores são ofendidos com palavrões ou ameaçados, se em estágio probatório,
nos corredores e durante reuniões com gestores. “Acho engraçado porque eu estou
aqui hoje levando falta para participar de uma audiência pública, mas gestores
de escolas são liberados para entregar panfletos de candidato nas ruas”,
reclamou.
Segundo a representante da Renacom,
Regina Célia Leal, o assédio no serviço público é muito comum e o problema
maior é não ter uma legislação específica. Regina é técnica de laboratório na
Universidade de São Paulo e foi a primeira trabalhadora do país a ter o
Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT) por assédio moral reconhecido pelo
Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Em 2011, a Universidade de São
Paulo foi condenada a pagar R$ 70 mil por danos morais a ela, em razão do
assédio moral sofrido por parte de um superior hierárquico.
Medidas
Para o representante do Conselho
Regional de Medicina do Amazonas (CRM-AM), Ricardo Antônio Bessa, o diagnóstico
do assédio moral não é fácil e apontou que a resolução 1488/98 do Conselho
Federal de Medicina inclui, para estabelecimento do nexo causal entre os
transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, o estudo do posto de
trabalho e da organização do trabalho deve ser considerado pelo médico.
Ricardo Bessa ilustrou seu
depoimento com estatísticas relacionadas aos servidores públicos do Distrito
Federal, cujos casos de assédio moral, em maioria, são de mulheres entre 29 e
40 anos, muito eficientes. Quando já instalada a doença, há perda de
produtividade, efetividade, surgem transtornos de humor e de memória, déficit
de atenção, problemas cardiovasculares e digestivos.
Para o médico Ricardo Bessa, as
diversas formas de assédio moral, seja vertical ou horizontal, têm a humilhação
como característica principal. Ele exemplificou como formas de humilhação o
aumento da pressão por metas inatingíveis, a carga de trabalho excessiva, a
pressão para fazer horas extras, as ameaças de demissão. As patologias mais
comuns encontradas são o transtorno do stress (67%), depressão (40%), e
ansiedade. “Quem passa por uma situação dessa sabe que vem tudo isso ao mesmo
tempo, com repercussão na família. Muitas vezes, as pessoas em idade produtiva,
extremamente competentes, se suicidam ou, pra não cair em descrédito, se
aposentam, se afastam, e a sociedade perde, o país perde”, analisou Bessa.
No pronunciamento do
superintendente regional do trabalho Francisco Rebouças, a importância de
medidas de prevenção foi destacada e os servidores aconselhados a não se
isolarem, pois assim fortalecem o assédio.
O vice-reitor da Ufam, Hedinaldo
Narciso Lima, ressaltou o permanente compromisso institucional de combater
eventuais casos de assédio moral na universidade. Dentre as ações da atual
administração destacadas pelo vice-reitor estão a criação, em 2010, da Comissão
de Ética e, em 2011, da Comissão Permanente de Processos Administrativos
Disciplinares, setores responsáveis pelos procedimentos apuratórios no âmbito
da universidade. A Ufam também conta com Ouvidoria-Geral para acolher quaisquer
denúncias de irregularidades no seu âmbito.
O vice-reitor aproveitou ainda
para divulgar que todos os processos administrativos instaurados na Ufam podem
ser consultados no sistema de acompanhamento de processos da Controladoria
Geral da União.
Reprodução/Defensoria Pública da União
http://www.dpu.gov.br/