Implicações do governo Sarney aos Waimiri-Atroari
Artigo do Professor Doutor Renan
Albuquerque
O
artigo se propõe a apresentar breve cenário do que o governo Sarney projetou
para a Amazônia, enquanto ação indigenista aos Waimiri-Atroari. Focou-se um
Programa Indígena implementado ao norte de Manaus, que não atravessou apenas o
governo do maranhense ex-presidente, mas também os governos Collor, FHC, Lula e
Dilma. Os fatos remontam ao que segue.
Após 1985, o antagonismo indígena
frente a dois grandes projetos efetivados na terra Waimiri-Atroari, ao norte de
Manaus/AM, um mineral (Taboca) e outro hidroenergético (Balbina), foi acirrado
depois que o presidente José Sarney deu continuidade à política do regime
militar ao nomear Romero Jucá – homem de confiança da ditadura e ilustre
desconhecido na área antropológica e indigenista, presidente da Fundação
Nacional do Índio (Funai).
Jucá, que já foi líder do PT no
Senado Federal, designou Sebastião Amâncio superintendente dos escritórios dos
Estados de Amazonas e Roraima para lidar com os índios Waimiri-Atroari, então
tidos como guerreiros assassinos. Amâncio planejou usar de truculência e por
isso foi afastado do cargo de maneira objetiva.
O
próprio Jucá chegou a assumir a autoria da expulsão dos professores Egydio
Schwade e Doroti Schwade da aldeia Yawara, dos Waimir-Atroari, em dezembro de
1986. Ele suspeitou que os professores estivessem a serviço de um cartel de
empresas estrangeiras de mineração, cooptando índios e realizando biopirataria
na Amazônia.
“Para
desviar o foco dos interesses motivadores da expulsão, ao longo do ano de 1987
foi promovida campanha difamatória contra o Conselho Indigenista Missionário
(Cimi) e seus apoiadores, incluindo o casal de professores e o pesquisador
Stephen Grant Baines” (1).
Quando
Sarney passou a reserva indígena à administração da Amazonas Energia, em 1987,
foi nomeado José Porfírio Fontenele de Carvalho para dar continuidade à
política oficial da força repressora e das ameaças armadas.
Porfírio,
indigenista experiente, mas que efetivava atos controversos, tinha estreitas
ligações com os militares e o que se seguiu aos Waimiri-Atroari foi uma parcial
ausência de políticas negociadas de relacionamento entre estatal e indígenas,
tendo resultados positivos e negativos. Ações questionáveis foram executadas.
A
implantação do Programa Waimiri-Atroari (PWAI) no Amazonas, em junho 1988, foi
verticalizada: o governo de Sarney pagou a uma equipe multidisciplinar e
interinstitucional de técnicos, representados por Fundação Nacional do Índio,
Secretaria de Educação do Amazonas, Fundação Instituto de Medicina Tropical do
Amazonas, Universidade Federal do Amazonas e Amazonas Energia.
Foi
organizado um plano de ação centrado em moldes urbanos para os índios. As
avaliações dos profissionais, no entanto, importaram menos que a propaganda de
divulgação do PWAI, mantida a partir de estratégias publicitárias que não
permitiam acesso livre à TI (2). Critérios do governo Sarney apontados pela
Funai como indicadores de “indianidade” dos Waimiri-Atroari se configuravam
como ideologistas, na visão de antropólogos.
A
denúncia foi relatada a partir de entrevista com a presidente da Associação
Brasileira de Antropologia (ABA), Eunice Ribeiro Durham, professora da
Universidade de São Paulo (USP). Durham e Lux Vidal, também docente da USP,
analisaram documento oficial da Funai denominado “Indicadores apontados pela
comunidade científica”.
O
documento foi utilizado pelo órgão como baliza segundo a qual pessoas ou
comunidades podiam ser reconhecidas como indígenas pelo Ministério do Interior,
uma pasta de governo Sarney que, na época, liberava orçamentos para ações
socioambientais em aldeias indígenas afetadas por grandes empreendimentos.
De
acordo com Durham e Vidal, a comunidade científica não fora consultada de
maneira democrática, apesar do documento citar que a ABA havia participado da
avaliação aos Waimiri-Atroari. A reportagem relatou o espanto das antropólogas
ao receberem a notícia que pesquisadores da Associação teriam concordado em
identificar os índios como detentores de “mentalidade primitiva” e com
“características biológicas, psíquicas e culturais indesejáveis”.
Os
Waimiri-Atroari existiam, segundo o documento, a partir de um “elemento
sociocultural específico e distinto da sociedade nacional” e podiam ser
identificados “examinando-lhe as nádegas à procura de uma mancha mongólica ou
sacral” ou ainda “medindo-lhe a forma ou o perfil do nariz” (3).
Os
fatos, selecionados dentro de um espaço-tempo recortado, indicam que o
tratamento em relação à indianidade na Amazônia não tem sido agradável e
cordial desde a ditadura e mesmo depois dela – além do que já ocorreu na época
da colonização. São ações de desconsideração que se repetem e sujam a imagem
não apenas de um governo, mas de todos os que se seguem.
NOTAS
(1) SCHWADE, Egydio,
REIS, Wilson Braga. (Orgs.). 1º Relatório do Comitê Estadual da Verdade - O
genocídio do povo Waimiri-Atroari. Comissão da Verdade. p. 92 (citação p. 69),
2012.
(2) Conforme
dados transcritos pelo jornalista Pedro Del Picchia, que na época fez a
cobertura do evento, em 1988.