Mészáros O
capitalismo hoje promove uma produção destrutiva
por
István Mészáros
A atual
crise do capitalismo, que faz eclodir protestos por toda a parte, é estrutural
e exige uma mudança radical. Essa é a visão do filósofo István Mészáros, 82.
Professor
emérito da Universidade de Sussex (Reino Unido), o marxista Mészáros defende
que as ideias socialistas são hoje mais relevantes do que jamais foram. Nesta
entrevista, feita por e-mail, ele afirma que o avanço da pobreza em países
ricos demonstra que "há algo de profundamente errado no capitalismo",
que hoje promove uma "produção destrutiva".
Maior discípulo e conhecedor da obra do também filósofo húngaro marxista György Lukács (1885-1971), Mészáros lançará aqui o seu livro O Conceito de Dialética em Lukács [trad. Rogério Bettoni, Boitempo, R$ 39, 176 págs.], dos anos 60.
Maior discípulo e conhecedor da obra do também filósofo húngaro marxista György Lukács (1885-1971), Mészáros lançará aqui o seu livro O Conceito de Dialética em Lukács [trad. Rogério Bettoni, Boitempo, R$ 39, 176 págs.], dos anos 60.
A mesma
editora lança, de Lukács, Para uma Ontologia do
Ser Social 2 [trad. Ivo Tonet, Nélio Schneider e Ronaldo Vielmi Fortes, R$ 98, 856
págs.] e o volume György Lukács e a
Emancipação Humana [org. Marcos Del Roio, R$ 39, 272 págs.].
Folha - O sr. vem ao Brasil para falar sobre György
Lukács. Como profundo conhecedor do legado do filósofo, como avalia a
importância das suas ideias hoje?
István Mészáros - Lukács foi meu grande professor e
amigo por 22 anos, até sua morte, em 1971. Ele começou como crítico literário
politicamente consciente quase 70 anos antes. Com o passar do tempo, foi se
movendo na direção dos temas filosóficos fundamentais. Seus três trabalhos
principais nesse campo – "História e Consciência de Classe (1923), "O
Jovem Hegel" (1948) e "A Destruição da Razão (1954) – sempre
resistirão ao teste do tempo.
Seus estudos históricos e estéticos sobre granes figuras da literatura alemã, russa e húngara seguem sendo as mais influentes em muitas universidades. Além disso, ele é autor de uma monumental síntese estética, que, tenho certeza, virá à luz um dia também no Brasil. Felizmente, seus também monumentais volumes sobre problemas da ontologia do ser social estão sendo publicados agora no Brasil pela Boitempo. Eles tratam de algumas questões vitais da filosofia, que têm implicações de longo alcance também para a nossa vida cotidiana e para as lutas em curso.
Seus estudos históricos e estéticos sobre granes figuras da literatura alemã, russa e húngara seguem sendo as mais influentes em muitas universidades. Além disso, ele é autor de uma monumental síntese estética, que, tenho certeza, virá à luz um dia também no Brasil. Felizmente, seus também monumentais volumes sobre problemas da ontologia do ser social estão sendo publicados agora no Brasil pela Boitempo. Eles tratam de algumas questões vitais da filosofia, que têm implicações de longo alcance também para a nossa vida cotidiana e para as lutas em curso.
O que é menos conhecido sobre a vida de Lukács é
que ele esteve diretamente envolvido em altos níveis de organização política
entre 1919 e 1929. Ele foi ministro de Educação e Cultura no breve governo
revolucionário da Hungria em 1919, que surgiu a partir da grande crise da
Primeira Guerra Mundial. No Partido ele pertencia ao "grupo Landler";
era o segundo no comando. Esse grupo recebeu o nome em homenagem a Jenö Landler
(1875-1928), que foi um líder sindical antes de se tornar uma figura do alto
escalão partidário. Ela buscava seguir uma linha estratégica mais ampla, com
maior envolvimento das massas populares.
Lukács foi derrotado politicamente em 1929. No
entanto, voltando a 1919, em um dos seus artigos (está no meu livro editado
agora pela Boitempo), ele alertava que o movimento comunista poderia enfrentar
um grande perigo quando "o proletariado transforma sua ditadura contra ele
mesmo". Ele provou ser tragicamente profético nesse alerta.
De qualquer forma, em todos os seus desempenhos
públicos, políticos e teóricos, se pode encontrar sempre evidências de sua
grande estatura moral. Hoje em dia lemos muito sobre corrupção em política.
Podemos ver a importância de Lukács também como um exemplo positivo, mostrando
que moralidade e política não só devem (como advogava Kant) como podem andar
juntas.
O sr. e Lukács têm vidas que unem teoria e prática.
Qual é a diferença entre ser um militante marxista no século 20 e hoje?
A dolorosa e óbvia grande diferença é que os
principais partidos da Terceira Internacional, que tiveram uma força
organizacional significativa e até influência eleitoral durante algum tempo
(como no caso dos partidos comunistas da França e da Itália), implodiu não só
no Leste, mas também no Ocidente. Apenas alguns partidos comunistas bem
pequenos permanecem fiéis aos princípios de outrora. Essa implosão ocorreu
muito tempo após a morte de Lukács.
Naturalmente, como um militante intelectual por
mais de 50 anos ele estaria hoje desolado com esses desdobramentos. Mas
partidos são criações históricas que respondem, de maneira boa ou ruim, a
necessidades de mudança. Marx foi bem ativo antes da constituição de um partido
importante que pudesse, depois, se juntar à Terceira Internacional. Quanto ao
futuro, alguns partidos radicalmente eficazes podem ser reconstituídos se as
condições mudarem significativamente.
Mas o tema em si é muito mais amplo. A necessidade de combinar teoria e prática não está ligada a uma forma específica de organização. De fato, uma das tarefas mais cruciais para a combinação de teoria e prática é o exame da difícil questão sobre porque houve a implosão desses partidos, tanto no Ocidente quanto no Leste, e como seria possível remediar esse fracasso histórico no atual desenvolvimento da história.
Mas o tema em si é muito mais amplo. A necessidade de combinar teoria e prática não está ligada a uma forma específica de organização. De fato, uma das tarefas mais cruciais para a combinação de teoria e prática é o exame da difícil questão sobre porque houve a implosão desses partidos, tanto no Ocidente quanto no Leste, e como seria possível remediar esse fracasso histórico no atual desenvolvimento da história.
O que significa ser um marxista hoje?
Praticamente o mesmo que Marx enxergou nos seus
dias. Mas, é claro, é preciso ter em mente as mudanças históricas e as novas
circunstâncias. Marx enfatizou corretamente desde o princípio que, ao contrário
do passado, uma característica crucial da análise socialista dos problemas é a
confrontação com a autocrítica. Ser crítico ao que nos opomos é relativamente
fácil. Isso porque é sempre mais fácil dizer "não" do que encontrar
uma forma positiva que possa ser utilizada para que as mudanças necessárias
possam ser realizadas.
É preciso um verdadeiro senso de proporção: compreender tanto fatores negativos – incluindo a sua parte mais difícil da autocrítica –, como as potencialidades positivas sobre as quais o progresso pode ser feito. Ambos aspectos são relevantes. É essencial reexaminar com uma intransigente autocrítica até os acontecimentos históricos mais problemáticos do século passado, em conjunto com suas então expectativas. Isso se quisermos superar as contradições do nosso lado no futuro.
É preciso um verdadeiro senso de proporção: compreender tanto fatores negativos – incluindo a sua parte mais difícil da autocrítica –, como as potencialidades positivas sobre as quais o progresso pode ser feito. Ambos aspectos são relevantes. É essencial reexaminar com uma intransigente autocrítica até os acontecimentos históricos mais problemáticos do século passado, em conjunto com suas então expectativas. Isso se quisermos superar as contradições do nosso lado no futuro.
A pressão do tempo e os atuais conflitos das
situações históricas de hoje tendem a nos desviar desse caminho de ação. Mas o
princípio orientador de combinar crítica com genuína autocrítica será sempre um
requisito essencial.
Quando a União Soviética acabou, muitos previram o
fracasso do marxismo. Depois, com a crise de 2008, muitos previram o fim do
neoliberalismo e a volta das ideias de Marx. Do seu ponto de vista, o marxismo
está em expansão ou não?
Você está certa. É preciso ser cuidadoso sobre
conclusões apressadas e definitivas em qualquer direção. Geralmente elas são
geradas mais por desejos do que por evidências históricas. O colapso do governo
Gorbachev não resolveu nenhum dos problemas em questão na URSS. A fantasiosa
tese sem sentido do "fim da história" de Fukuyama não faz a menor
diferença.
Também não é possível descartar o neoliberalismo
simplesmente pelo fato de que suas ideias e políticas, promovidas com agressivo
triunfalismo, não são apenas perigosamente irracionais (haja visto sua atitude
sobre a guerra), mas são absurdas as suas defesas do devaneio do imperialismo
liberal. Sob certas condições, mesmo absurdos perigosos podem obter apoio
massivo, como sabemos pela história.
A verdadeira questão principal é quais são as
forças subjacentes e determinações que conduzem o povo a becos sem saída em
diferentes direções. A mudança de humor que colocou "O Capital", de
Marx, nas mesas de café da moda (não para estudo, mas para mostrar tema de
conversa) não significa que as ideias marxistas estão agora avançando por todo
o mundo. É inegável que o aprofundamento da crise que vivenciamos hoje está
gerando protestos por todo o mundo.
Mas encontrar soluções sustentáveis para as causas
que tendem a surgir em todos os lugares requer a elaboração de estratégias
apropriadas e também correspondentes formas de organização que possam coincidir
com a magnitude dos problemas em jogo.
E o que dizer sobre as ideias conservadoras? Elas
estão ganhando mais adeptos?
Em certo sentido, elas estão inegavelmente ganhando mais adeptos, mesmo que não seja no terreno das ideias conservadoras sustentáveis. "Não mudar" é quase sempre muito mais fácil do que "mudar" uma forma estabelecida de comportamento. É a situação histórica real que induz as pessoas a irem numa direção em vez de outra. Mas a questão permanece: o curso adotado é sustentável? Há uma conhecida lei da física, no terreno da eletricidade, que diz que a corrente elétrica segue a linha da menor resistência.
Em certo sentido, elas estão inegavelmente ganhando mais adeptos, mesmo que não seja no terreno das ideias conservadoras sustentáveis. "Não mudar" é quase sempre muito mais fácil do que "mudar" uma forma estabelecida de comportamento. É a situação histórica real que induz as pessoas a irem numa direção em vez de outra. Mas a questão permanece: o curso adotado é sustentável? Há uma conhecida lei da física, no terreno da eletricidade, que diz que a corrente elétrica segue a linha da menor resistência.
Isso é verdadeiro também sobre a situação de muitos
conflitos sociais que decidem, mesmo que temporariamente, em que direção um
problema deve ser equacionado naquele momento dependendo da relação de forças
(ou seja: a força de resistência à situação atual) e da capacidade de
realização de alternativas adequadas. A viabilidade de longo prazo de um curso
adotado em relação a outro não é de forma alguma garantia de melhor sucesso.
Muitas vezes o oposto é o caso.
Na nossa situação histórica, as respostas viáveis
de longo prazo podem requerer incomparáveis maiores esforços do que tentar
seguir o "curso que deu certo no passado", em vez de encarar o
desafio e o fardo de uma mudança estrutural radical. Mas os problemas são
enormes, e a interação de forças na sociedade é sempre incomparavelmente mais
complexa do que a direção da corrente elétrica. Por isso, é muito duvidoso que
o que "deu certo" na linha conservadora da menor resistência possa
funcionar no médio prazo, muito menos no longo prazo.
Qual seria uma boa definição para o período
histórico atual?
Essa é a questão mais importante em nosso período
histórico em que crises se manifestam em diferentes planos da nossa vida
social. Se estamos preocupados em enfrentar uma solução historicamente
sustentável para nossos graves problemas, entender a verdadeira natureza do
debate das contradições é essencial. Conflitos e antagonismos históricos são
passíveis somente a soluções do tempo histórico. É muito confuso falar de
capitalismo como um sistema mundial.
O capitalismo abarca apenas um período do sistema
do capital. Só ultimamente é que constitui um sistema mundial de fato, para
além da sustentabilidade do próprio capitalismo. O capitalismo como um modo
social de reprodução é caracterizado pela extração predominantemente econômica
da mais valia do trabalho. Entretanto, há também outras formas de obter a
acumulação do capital, como a já conhecida extração política do trabalho
excedente, como foi feito na URSS e em outros lugares no passado.
Nesse sentido, é importante notar que a diferença fundamental entre as tradicionais crises cíclicas/conjunturais do passado, pertencendo à normalidade do capitalismo, e a crise estrutural do sistema do capital como um todo - que é o que define o atual período histórico. Por isso tento sempre enfatizar que nossa crise estrutural (que pode ser datada do final dos anos 1960 e se aprofundando desde então) necessita de mudanças estruturais para uma solução duradoura possível. E isso certamente não pode ser atingido com uma "linha de menor resistência".
Nesse sentido, é importante notar que a diferença fundamental entre as tradicionais crises cíclicas/conjunturais do passado, pertencendo à normalidade do capitalismo, e a crise estrutural do sistema do capital como um todo - que é o que define o atual período histórico. Por isso tento sempre enfatizar que nossa crise estrutural (que pode ser datada do final dos anos 1960 e se aprofundando desde então) necessita de mudanças estruturais para uma solução duradoura possível. E isso certamente não pode ser atingido com uma "linha de menor resistência".
Quais são as figuras mais importantes deste século
21 até agora?
Como sabemos, o século 21 é ainda muito jovem e
muitas surpresas ainda estão por vir. Mas a figura política que teve o maior
impacto na evolução histórica do século 21 – um impacto que deve perdurar e ser
estendido – foi o presidente da Venezuela Hugo Chávez Frias, que morreu em
março deste ano.
Claro, Fidel Castro também está muito ativo na primeira metade desta década, mas as raízes de seu grande impacto histórico estão nos anos 1950. Do lado conservador, se ainda estivesse vivo, eu não hesitaria em nomear o general De Gaulle. Ninguém se alinha à sua estatura histórica no lado conservador até agora neste século.
Claro, Fidel Castro também está muito ativo na primeira metade desta década, mas as raízes de seu grande impacto histórico estão nos anos 1950. Do lado conservador, se ainda estivesse vivo, eu não hesitaria em nomear o general De Gaulle. Ninguém se alinha à sua estatura histórica no lado conservador até agora neste século.
E qual o evento mais surpreendente do século 21?
É provavelmente a velocidade com que a China
conseguiu se aproximar da economia norte-americana, alcançando agora o ponto em
que ultrapassar os EUA como "motor do mundo" (como definem de forma
complacente) é considerado factível em apenas alguns anos. Era previsível há
muito tempo que isso iria acontecer tendo em vista o tamanho da população
chinesa e a taxa de crescimento anual de sua economia. Mas muitos especialistas
diziam que isso iria ocorrer daqui a muitas décadas no futuro.
No entanto, seria muito ingênuo imaginar que a
China pode permanecer imune à crise estrutural do sistema do capital,
simplesmente porque seu balanço financeiro é incomparavelmente mais saudável do
que o norte-americano. Mesmo o superávit de milhões de milhões de dólares dos
chineses pode evaporar-se de um dia para outro no meio de uma turbulência não
muito distante no futuro. A crise estrutural, por sua própria natureza,
obrigatoriamente afeta a humanidade como um todo. Nenhum país pode invocar
imunidade a isso, nem mesmo a China.
As crises fazem parte do capitalismo. Qual sua
avaliação sobre a que eclodiu há cinco anos. Quem ganhou e quem perdeu?
Parte do capitalismo? Sim e não! Sim, no sentido
limitado de que a crise eclodiu com intensidade dramática nos países
capitalistas mais poderosos do mundo, que se autodenominam "capitalistas
avançados". Mas muito do seu "avanço" é construído não apenas
sobre privilégios de exploração (no passado e no presente) das suas relações de
poder (políticas e econômicas) em relação ao chamado "Terceiro
Mundo", mas também sobre o catastrófico endividamento de sua realidade
econômica.
Escrevi em 1987, num artigo publicado no Brasil em
1987, que o "verdadeiro problema da dívida" não era – como foi
apontado na época – a dívida da América Latina, mas a dívida insolúvel dos EUA,
que está fadada a acabar com uma colossal quebra, equivalente à magnitude de um
terremoto econômico para o mundo todo. Há dois anos, quando dei minha última
palestra no Brasil, apontei que a dívida dos EUA somava astronômicos 14,5
milhões de milhões de dólares, antecipando seu inexorável aumento. Hoje nos
movemos para os 17 milhões de milhões de dólares, e mais e mais.
Qualquer um que imagine que isso é sustentável no
futuro, ou que isso não vai afetar todo o mundo na Terra, quando o processo de
crescimento inexorável do endividamento está fadado a levar a uma situação
paralisante, deve viver num planeta diferente.
O capitalismo se fortaleceu ou se enfraqueceu com a
crise?
As tradicionais crises cíclicas/conjunturais
costumavam fortalecer o capitalismo no passado, já que eram eliminadas empresas
capitalistas inviáveis. Assim, ocorria o que Schumpeter idealmente chamou de
"destruição criativa". Os problemas são muito mais sérios hoje,
porque a crise estrutural afeta até dimensão mais fundamental do controle
social metabólico da humanidade, incluindo a natureza de forma perigosa. Assim,
falar de "destruição criativa" nas condições atuais é totalmente
autocomplacente. É muito mais apropriado descrever o que está acontecendo como
uma "produção destrutiva".
A crise provocou mudanças políticas em muitos países. É possível discernir um movimento geral, mais para a esquerda, ou mais para a direita?
Até agora, mais para a direita do que para a esquerda. Todos os governos dos países capitalisticamente avançados – e não apenas eles – adotaram políticas que tentam resolver os problemas através da "austeridade", com cortes reais em salários, assim como nos padrões de vida já precários daqueles que são geralmente descritos como os "menos privilegiados".
A crise provocou mudanças políticas em muitos países. É possível discernir um movimento geral, mais para a esquerda, ou mais para a direita?
Até agora, mais para a direita do que para a esquerda. Todos os governos dos países capitalisticamente avançados – e não apenas eles – adotaram políticas que tentam resolver os problemas através da "austeridade", com cortes reais em salários, assim como nos padrões de vida já precários daqueles que são geralmente descritos como os "menos privilegiados".
E a linha de "menor resistência" ajuda na
extensão, ou, ao menos, na tolerância das respostas institucionais
conservadoras dominantes para a crise. Mas é muito duvidoso que essas
políticas, que agora tendem a favorecer a direita, possam produzir soluções
duradouras.
Como o sr. previu, a pobreza aumentou nos últimos
anos, mesmo em países do coração do capitalismo. Nos EUA, a desigualdade
aumentou. No Reino Unido, há um movimento para dar comida aos pobres, coisa que
não ocorria desde a Segunda Guerra. O que está errado no capitalismo? É
possível que o sistema não possa mais gerar crescimento suficiente para a
humanidade?
Dar cesta básica para os muito pobres não é o único
sinal visível desse aspecto da crise, nem essa situação está confinada os
países capitalisticamente avançados, como o Reino Unido. Escrevi em "Para Além do
Capital"
(publicado em inglês em 1995) sobre a volta dos sopões. Nos últimos dois ou
três anos podemos vê-los nas telas das TVs em escala maior no mais
"avançado" (e privilegiado) país: os EUA. Certamente há algo de
profundamente errado – e totalmente insustentável – na maneira pela qual o crescimento
é perseguido sob o capitalismo.
Algumas formas, pela sua natureza cancerosa de
crescimento, são proibitivas mesmo em termos de condições elementares de
ecologia sustentável. Porque elas são manifestações flagrantes de
"produção destrutiva". Ao mesmo tempo, tanta coisa é desperdiçada
como "lixo rentável", enquanto incontáveis milhões, agora mesmo nos
mais avançados países capitalisticamente, precisam suportar dificuldades
extremas. Há alguns dias o ex-primeiro-ministro britânico John Major estava
reclamando que neste Inverno muitas pessoas no Reino Unido terão que escolher
entre comer e se aquecer. Em 1992, quando ainda era primeiro-ministro, ele
disse com máxima autocomplacência: "O socialismo está morto; o capitalismo
funciona". Eu disse, então: "Precisamos perguntar: o capitalismo
funciona para quem e por quanto tempo?".
A escolha entre comer e se aquecer, que ele é agora
forçado a reconhecer, não é exatamente a prova de quão bem o "capitalismo
funciona". Na realidade, o único crescimento com significado é o que
responde à necessidade humana. Crescimento destrutivo, incluindo o vasto
complexo industrial militar – chame-o de "destruição criativa" – pode
demonstrar apenas fracasso. O único crescimento historicamente sustentável para
o futuro é aquele que fornece as mercadorias em resposta à necessidade humana e
os recursos para aqueles que delas necessitam.
A crise ampliou o desemprego em muitas regiões e
abalou o Estado de bem-estar social na Europa. Multidões foram às ruas
protestar na Espanha, em Portugal, na França, na Inglaterra, na Grécia. Nos
EUA, o Occupy Wall Street desapareceu. Qual deve ser o resultado desses
movimentos? Há conexão entre eles? Os partidos de esquerda estão se
beneficiando dessas ações ou não?
Em contraste com a idealização propagandística, o
Estado do bem-estar social, na realidade, foi muito limitado a um punhado de
países capitalistas. Mesmo lá foi construído sobre fundações frágeis. Não
poderia ser nunca expandido ao restante do mundo, apesar da promoção acrítica
das teorias do desenvolvimento da modernização, quase sempre estruturadas no
quadro contraditório do sistema do capital. A verdadeira tendência de longo
prazo apontava no sentido oposto ao do idealizado Estado do bem-estar.
A tendência objetivamente identificável foi
caracterizada por mim já nos anos 1970 como a "equalização descendente da
taxa de exploração diferencial". Isso inclui as diferenças marcantes nos
níveis de ganhos por hora de trabalhadores para exatamente o mesmo trabalho na
mesma corporação transnacional (por exemplo, nas linhas de montagem da Ford) na
"metrópole" em relação aos países "periféricos".
Essa tendência continua a se aprofundar e ainda
está longe da sua necessária amplitude. Os protestos em muitos países
capitalistas são compreensíveis e devem se aprofundar no futuro. Eles surgem
nesse arcabouço dessa tendência perversa de equalização de longo prazo.
Compreensivelmente, os partidos que operam no enquadramento da política
parlamentar não podem se beneficiar dos protestos. Isso porque eles tendem a
acomodar seus objetivos a limites restritos das consequências negativas
decorrentes do Estado do bem-estar.
Lukács dizia que os sindicatos eram a organização
social civil mais importante. Isso continua valendo?
A visão de Lukács sobre esse ponto era muito
influenciada pelo seu camarada e amigo Jenö Lander, que foi um líder sindical
antes de se tornar liderança do mesmo grupo partidário no qual Lukács também
desempenhou um papel de liderança.
Lukács está certo sobre a contínua importância dos sindicatos, com um acréscimo importante. Não foi ressaltado suficientemente que a potencialidade dos sindicatos foi – e continua sendo – afetada de forma muito ruim pela divisão do movimento da classe trabalhadora organizada entre o chamado "braço industrial" (sindicatos) e o "braço político" (partidos) do trabalho.
Lukács está certo sobre a contínua importância dos sindicatos, com um acréscimo importante. Não foi ressaltado suficientemente que a potencialidade dos sindicatos foi – e continua sendo – afetada de forma muito ruim pela divisão do movimento da classe trabalhadora organizada entre o chamado "braço industrial" (sindicatos) e o "braço político" (partidos) do trabalho.
A potencialidade positiva dos sindicatos não
acontecerá até que essa divisão prejudicial, que produz danos para ambos, seja
corrigida significativamente.
Qual sua avaliação sobre a chamada Primavera Árabe? Ela acabou? Há ligação entre os movimentos no mundo árabe e os da Europa? Alguns enxergam uma nova disputa na região. Isso faz sentido?
Qual sua avaliação sobre a chamada Primavera Árabe? Ela acabou? Há ligação entre os movimentos no mundo árabe e os da Europa? Alguns enxergam uma nova disputa na região. Isso faz sentido?
O impacto da Primavera Árabe tendeu a ser muito
exagerado na época em que testemunhamos os primeiros dramáticos acontecimentos.
E, depois, sem razão, foram minimizados quando as manifestações de massa no
Norte da África arrefeceram.
Até agora, nenhum dos problemas fundamentais foi
resolvido em nenhum país em questão. Assim, os protestos vão continuar no
futuro, focando também em algumas das graves contradições econômicas (que
resultaram em protestos por comida no passado, relutantemente reconhecidos até
por proeminentes publicações do "establishment," como a Economist,
de Londres), e não apenas na sua dimensão militar e política.
Os levantes vão continuar, ganhando na mídia o nome
da estação ligado a eles. Também não pode ser esquecido que alguns países
europeus tiveram importantes interesses coloniais no Norte da África e no
Oriente Médio. E há tentativas de reavivá-los, o que é bem visível hoje.
Ninguém deve imaginar que o imperialismo está confinado no passado.
O Brasil também está passando por uma fase de
muitos protestos. Como o sr. avalia esse processo? Há conexão com o que ocorre
no mundo?
É impossível encontrar hoje um lugar no mundo onde não estejam ocorrendo sérios protestos sociais. Eles parecem estar focados em diferentes temas, criando a impressão superficial de não existe correlação entre eles. Mas isso é também um auto-engano. Muitas vezes, no passado, muitos desses protestos costumavam ser desconsiderados, tidos como movimentos de um tema específico, sem implicações na estabilidade geral da ordem social estabelecida. Nada pode ser mais distante da verdade.
É impossível encontrar hoje um lugar no mundo onde não estejam ocorrendo sérios protestos sociais. Eles parecem estar focados em diferentes temas, criando a impressão superficial de não existe correlação entre eles. Mas isso é também um auto-engano. Muitas vezes, no passado, muitos desses protestos costumavam ser desconsiderados, tidos como movimentos de um tema específico, sem implicações na estabilidade geral da ordem social estabelecida. Nada pode ser mais distante da verdade.
É verdade que a grande variedade de protestos que
testemunhamos hoje em diferentes partes do mundo não se enquadra nos canais e
nos modos de ação da política tradicional. Mas seria tolice ter isso como prova
de sua irrelevância. Ao contrário, eles apontam para razões muito mais
profundas para os problemas e as contradições que se acumularam.
No momento, não é visível nenhuma estratégia de
coalescência. Sua característica geral parece ser a de que estão testando os
limites e procurando maneiras mais efetivas de articulação de suas
preocupações. Estamos testemunhando um processo que ainda está em desdobramento
e cujo significado deve ter grandes consequências no futuro.
Há quem enxergue a ação dos EUA nas manifestações
pelo mundo, com o objetivo de desestabilizar governos. Isso faz algum sentido?
Isso é uma enorme e excessiva simplificação. Os EUA
indubitavelmente estão na linha de frente de conflitos e conflagrações
internacionais, por conta do seu impressionante poder dominante no hegemônico
imperialismo global. Mas as causas são muito mais profundas do que o que possa
ser resolvido por "desestabilização de governos".
Em alguns casos limitados isso pode acontecer, e,
de fato, pode ser buscado com êxito pelas forças mais extremistas de organismos
da administração norte-americana. Mas, há limite para tudo, até para o neoliberal
mais radical e para o aventureirismo neoconservador.
Como a internet muda a luta política hoje?
Certamente a internet ajuda na comunicação e na
coesão dos movimentos de protesto, como ficou evidenciado recentemente. Mas não
deve ser esquecido que ela também dá os recursos para as forças do outro lado
do confronto – dando assistência direta a vários Estados capitalistas.
De qualquer forma, para os dois lados a internet
pode apenas fornecer ajuda subsidiária, não importando quão forte ela seja. Os
problemas só podem ser resolvidos no próprio terreno em que surgiram. E isso
diz respeito às determinações estruturais fundamentais de nossa ordem social.
Como o sr. analisa a relação entre capitalismo e
democracia? São compatíveis?
Capitalismo e democracia não são incompatíveis, salvo em situações de crises extremas que trazem à tona os Hitlers e os Pinochets onde quer que tais crises eclodam – mesmo no Brasil no passado recente. A normalidade da produção capitalista é sustentada de forma melhor na ordem das regras formais democráticas de controle e regulação.
Capitalismo e democracia não são incompatíveis, salvo em situações de crises extremas que trazem à tona os Hitlers e os Pinochets onde quer que tais crises eclodam – mesmo no Brasil no passado recente. A normalidade da produção capitalista é sustentada de forma melhor na ordem das regras formais democráticas de controle e regulação.
É por isso que regimes ditatoriais são
insustentáveis no longo prazo e tendem a ser revertidos (mesmo a
"miltonfreedmenização" do Chile de Pinochet) para modos políticos
mais maleáveis de regulação formal democrática, dentro da moldura geral das
trocas capitalistas.
Nos EUA, a direita radical colocou o país à beira
do abismo por conta de uma tímida reforma no sistema de saúde. Isso trouxe
riscos para os grandes negócios e as finanças. Como o sr. explica isso?
O sistema de saúde nos EUA é apenas uma parte da
crise que testemunhamos. Fundamentalmente é inseparável da dívida astronômica
de 17 milhões de milhões de dólares que já mencionei. Por enquanto, foi feita
uma acomodação parcial entre democratas e republicanos, de forma que a nova
data para o problema trilionário irresolvido ficou para o final de 2013, mas
não deve trazer novamente um suspense internacional.
Mas podemos estar certos de que essa questão
voltará com crescente severidade. 17 milhões de milhões de dólares significa
tanto que não é possível encontrar um tapete de tamanho suficiente sob o qual
se possa varrer e esconder essa quantia. Como costumeiramente é feito como
forma de adiar a solução de problemas.
É possível dizer que o partido democrata foi mais
para a direita e falhou em isolar a direita radical do partido republicano?
É difícil dizer qual dos dois partidos é mais à
direita do que o outro. Mas ambos estão igualmente errados ao estarem tão à
direita para serem capazes de enfrentar os graves problemas da sociedade
norte-americana.
Como o sr. analisa a administração Obama e o estado
da democracia nos EUA?
Obama prometeu muita coisa que nunca se materializou sob sua Presidência. Basta pensar em Guantánamo. Mas isso não é questão de um presidente em particular. Estruturas de poder não podem ser entendidas em termos personalizados.
Devemos lembrar a entrevista à televisão que o presidente democrata Jimmy Carter deu. Ele chorou, com lágrimas nos olhos, ao dizer que "o presidente não tem poder". De fato, ele conseguiu fazer mais desde que deixou a Presidência do que pode quando estava no comando. Até agora não vimos o presidente Obama chorar na televisão. Mas "há uma primeira vez para tudo", diz o ditado.
Obama prometeu muita coisa que nunca se materializou sob sua Presidência. Basta pensar em Guantánamo. Mas isso não é questão de um presidente em particular. Estruturas de poder não podem ser entendidas em termos personalizados.
Devemos lembrar a entrevista à televisão que o presidente democrata Jimmy Carter deu. Ele chorou, com lágrimas nos olhos, ao dizer que "o presidente não tem poder". De fato, ele conseguiu fazer mais desde que deixou a Presidência do que pode quando estava no comando. Até agora não vimos o presidente Obama chorar na televisão. Mas "há uma primeira vez para tudo", diz o ditado.
Os EUA espionam o mundo inteiro. Recentemente foi
revelado um esquema de espionagem norte-americana no Brasil envolvendo
interesses em petróleo e mineração. O que o Brasil deveria fazer para defender
sua soberania?
Esse tema beira a insanidade. Espionam todos como potenciais inimigos, mesmo chefes de Estado de governos amigos. Há quem possa rir e achar que o problema não é tão sério. Mas precisamos lembrar que a defesa da soberania não pode estar confinada no domínio das leis e da política internacionais.
Esse tema beira a insanidade. Espionam todos como potenciais inimigos, mesmo chefes de Estado de governos amigos. Há quem possa rir e achar que o problema não é tão sério. Mas precisamos lembrar que a defesa da soberania não pode estar confinada no domínio das leis e da política internacionais.
A legislação internacional é pateticamente fraca a
esse respeito, sem mencionar as instituições que tratam globalmente disso. Vale
lembrar o título de um livro de um proeminente advogado liberal, Philippe Sands.
É "Lawless World: America and the Making and Breaking of Global
Rules".
Essas questões são decididas pelas relações reais
de poder. E, é claro, as forças preponderantes do capital global ficam com a
parte do leão nesse processo de tomada de decisão. A soberania não pode ser
protegida sem se atentar para esse lado crítico do problema, inseparável do
poder preponderante das corporações gigantes do capital transnacional.
O poder dos EUA está em ascensão ou em queda?
Seria mais apropriado dizer que ele está
estacionado, mas ainda é o mais dominante. As condições que explicam essa
dominância estão presentes e são bem visíveis: vão do complexo
industrial-militar, ao Banco Mundial, ao fato de o dólar ser a moeda de troca mundial.
Nenhum outro país poderia sonhar em impor ao mundo uma dívida de 17 milhões de
milhões de dólares. Mas uma dominância que repousa sobre esse tipo de fundações
só pode ser instável.
Qual é a sua visão da China? Lá a pobreza diminuiu. Há socialismo?
Qual é a sua visão da China? Lá a pobreza diminuiu. Há socialismo?
As realizações da China no campo da produção
incluindo o declínio da pobreza que você menciona têm sido monumentais. Mas há
várias grandes perguntas para o futuro. Acima de tudo: por quanto tempo poderão
ser mantidas as realizações na área produtiva sem que elas causem danos
irreparáveis nos recursos gigantescos no domínio da ecologia?
Mais ainda: por quanto tempo poderão ser aceitas as impressionantes desigualdades entre os níveis mínimos de ganhos da população trabalhadora e a riqueza dos altamente privilegiados? O socialismo é inconcebível sem uma substantiva igualdade – também na China.
Mais ainda: por quanto tempo poderão ser aceitas as impressionantes desigualdades entre os níveis mínimos de ganhos da população trabalhadora e a riqueza dos altamente privilegiados? O socialismo é inconcebível sem uma substantiva igualdade – também na China.
No passado, as disputas no interior do capitalismo
provocaram guerras mundiais. Essa hipótese está no horizonte?
A opção pela Guerra foi usada no passado como parte
da tentativa de resolver problemas entre partes em conflito sob as regras do
capital. Foram duas guerras mundiais no século 20. Com as armas de destruição
em massa, ficou impossível prever a compatibilidade dessa solução com as
condições elementares da racionalidade. Mas há representantes da direita
radical que não hesitariam em jogar com fogo e até abertamente advogam a plena
legitimidade de jogar com fogo.
Muitos deles estão presentes em elevados postos da
hierarquia política. Assim, o presidente [Bill] Clinton, por exemplo, declarou
que "há apenas uma nação necessária, os EUA". Na mesma época, Robert
Cooper (guru do primeiro-ministro britânico Tony Blair e conselheiro
internacional de Xavier Solana) cantava louvores para o agressivo imperialismo
liberal em seus escritos.
Da mesma forma, Richard Haass, diretor de
planejamento político no departamento de Estado na gestão George W.Bush,
insiste na necessidade de uma estratégia imperialista mais agressiva,
escrevendo que a defensiva, não o imperialismo agressivo, é o maior perigo do
interesse em reafirmar a hegemonia global dos EUA. Esta precisa ser defendida
por quaisquer meios, mesmo com a guerra explícita.
A racionalidade é, obviamente, a grande dificuldade
para implantar essas estratégias. Mas ninguém pode dizer que a possibilidade de
até mesmo uma conflagração mundial possa agora ser excluída do horizonte
histórico.
É possível dizer que a influência dos EUA na
América Latina declinou na última década?
Sim. Falarei dos países relevantes nesse aspecto em
seguida. E outros poderão se agregar a eles no futuro.
Como o sr. analisa as experiências de países como
Venezuela (que fala em socialismo do século 21), Bolívia, Equador, Uruguai,
Argentina?
Eles trilham por uma estrada muito difícil, na
qual, indubitavelmente, muitos obstáculos serão erguidos no futuro pelo poder
imperial dominante. Os EUA declararam abertamente que a América Latina era o
seu quintal, reivindicando legitimidade para a sua dominação na região.
Como o sr. avalia os dez anos de PT no governo do
Brasil?
Visitei o escritório do futuro presidente Lula em
1983. Tirei então uma foto do escritório onde se podia ler uma palavra
iluminada: "Tiradentes". Eu fiquei pensando e continuo pensando hoje
quanto tempo mais levará para que seja possível dizer que o escritório nacional
de "Tiradentes" teve êxito em extrair os dentes infeccionados que
causam tanta dor, mesmo num país com tantos recursos, em todos os sentidos,
como o Brasil.
Qual é a sua visão sobre a relevância das ideias
socialistas hoje?
Mencionei anteriormente que nossos problemas só
podem encontrar soluções sustentáveis na sua época. Outras formas de
enfrentá-los podem ser revertidas, como ocorreu no passado.
As ideias socialistas têm sido definidas desde o
início como as que requerem uma época histórica para a sua concretização,
embora os problemas imediatos de onde elas devem partir sejam muito dolorosos.
Em outras palavras, elas requerem não apenas os
serviços urgentes de "Tiradentes", mas também prevenção para as
doloridas infecções no longo prazo. As ideias socialistas são, portanto, mais
relevantes hoje do que jamais foram.
Que países ou partidos representam o socialismo hoje?
Que países ou partidos representam o socialismo hoje?
Apenas alguns partidos muito pequenos proclamam sua
fidelidade às ideias socialistas. E não há país que possa chamar a si mesmo
como socialista.
No passado o sr. usou a expressão socialismo Mickey
mouse para tratar de partidos que apenas brincavam com as ideias socialistas.
Isso continua a ocorrer?
Não exatamente. O socialismo Mickey Mouse ficou
mais fraco. O Partido Comunista Italiano que foi o partido de [Antonio] Gramsci
e da Terceira Internacional primeiro se autoconverteu no que se chamam de
democratas da esquerda.
Depois achou até a palavra esquerda muito comprometedora. Então se rebatizaram de partido dos democratas. Não há mais Mickey Mouse. É mais como um Popeye que perdeu o seu espinafre.
Depois achou até a palavra esquerda muito comprometedora. Então se rebatizaram de partido dos democratas. Não há mais Mickey Mouse. É mais como um Popeye que perdeu o seu espinafre.
Quais são suas expectativas sobre o socialismo ou o
comunismo no futuro? É um objetivo inatingível? E sobre o risco de barbárie?
Existe?
Escrevi num livro também publicado no Brasil [ O século XXI: Socialismo ou barbárie ] que se
tivesse que modificar as famosas palavras de Rosa Luxemburgo – "socialismo
ou barbárie" – acrescentaria: "Barbárie se tivermos sorte".
Porque a exterminação da humanidade é a ameaça que se desenrola. Enquanto
falharmos em resolver nossos grandes problemas que se espalham por todas as
dimensões da nossa existência e nas relações com a natureza, o perigo vai
permanecer no nosso horizonte.
Onde deve estar um militante marxista hoje?
Contribuindo em tudo que ele ou ela possam fazer
para buscar solução duradoura para esses grandes problemas.
Qual o seu plano para o futuro?
Continuar trabalhando em projetos de longo prazo
que dizem respeito a todos nós.
17/Novembro/2013
[*] Repórter
especial da Folha de S. Paulo.
http://resistir.info/meszaros/entrev_17nov13.html