A
Grande Família – Élisée Reclus
Josenildo Santos Souza (SOUZA, J.S.)
O
homem adora viver no sonho;
o
esforço que o pensamento deve exercer
para
apreender as realidades parece-lhe demasiado
difícil,
e ele tenta escapar dessa luta pelo refúgio
em
opiniões já prontas. Se “a dúvida é o travesseiro
do
sábio”, a fé simplória é o travesseiro do pobre
de
espirito. Houve um tempo em que o poder de um
deus
supremo, que sentia em nosso lugar, queria,
agia
fora de nós e conduzia a seu bel-prazer o destino
dos
homens, bastava-nos amplamente e fazia-nos
aceitar
nosso destino fatal com resignação ou,
inclusive,
com gratidão. Agora esse deus pessoal,
no
qual os humildes tinham confiança, agoniza em
seus
templos, e os mortais tiveram der substitui-lo.
Mas
eles já não têm Potência Augusta a seu serviço:
só
têm palavras ás quais buscam dar,
como
uma virtude secreta, um poder mágico:
por
exemplo, a palavra “Progresso”.
Sem
dúvida, é verdade que, sob muitos aspectos,
o
homem progrediu: suas sensações tornaram-se
mais
refinadas, creio; seus pensamentos mais agudos
e
mais profundos, e a amplitude de sua humanidade,
abraçando
um mundo mais vasto, aumentou
prodigiosamente.
Mas nenhum progresso
pode
realizar-se sem retrocesso parcial.
O
ser humano cresce, mas, crescendo, desloca-se,
e,
avançando, perde uma parte do terreno
que
outrora ocupava. O ideal seria que o homem
civilizado
tivesse conservado a força do selvagem,
que
ele também tivesse sua habilidade,
que
ainda possuísse o belo equilíbrio dos membros,
a
saúde natural, a tranquilidade moral,
a
simplicidade da vida, a intimidade com os animais
dos
campos, o bom acordo com a terra e tudo o que
a
povoa. Mas o que outrora foi a regra é agora
a
exceção. É-nos provado por inúmeros exemplos
que
o homem de enérgica vontade, amplamente
favorecido
por seu meio, pode igualar-se
completamente
ao selvagem em todas as suas
qualidades
primevas, e acrescentando a elas
por
sua consciência fortalecida em uma alma superior;
mas
quantos são esses que adquiriram sem perder,
que
são simultaneamente os iguais do primitivo
em
sua floresta ou em seu prado
e
os iguais do artista ou do cientista moderno,
nas
cidades laboriosas?
RECLUS, Élisée. Do
Sentimento da natureza nas sociedades modernas. Organização e tradução Plínio
Augusto Coelho. – São Paulo: Expressão & Arte: Editora Imaginário, 2010.